O Brasil não pode se queixar da abundância de recursos naturais que dispõe. Na geração de energia, o país sempre desfrutou das águas, uma matriz renovável, com as hidrelétricas, por terem sido as mais viáveis — e também as mais baratas. Apesar da fartura, o Brasil já enfrentou graves crises de energia em sua história recente, afinal, os recursos hídricos são finitos, ou seja, sem planejamento e boa gestão, em algum momento a fonte, literalmente, vai secar, como ocorreu entre 2001 e 2002, em um dos períodos mais caóticos de geração de energia no Brasil: a crise do apagão. A escassez de chuvas somada à falta de organização das autoridades brasileiras deixaram o país completamente exposto e de mãos atadas ao iminente colapso energético. Com informações de Veja.

À época, o governo FHC foi obrigado a cortar 20% do consumo de eletricidade em todo país, e fez isso estipulando metas, aplicando punições e, claro, por meio do racionamento. Sete anos depois, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que os apagões elétricos de 2001 e 2002 custaram 45,2 bilhões de reais aos cofres públicos. A péssima gestão de energia do início do século escancarou a necessidade de se investir em outras fontes renováveis, abrindo um leque maior de possibilidades ao país para obter uma matriz energética mais equilibrada, reduzindo, assim, as chances de novos apagões. Os novos investimentos abriram espaço para uma série de alternativas, como a energia solar e a de biomassa, mas foi a eólica que mais surpreendeu, seja pela alta eficiência, ou por também se mostrar uma opção economicamente acessível.

Para acelerar o processo, em março de 2004, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) instituiu o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), em que foram contratados 1,4 gigawatts (GW) de energia eólica. Naquela época, a fonte ainda era cinco vezes mais cara na comparação com as hidrelétricas, panorama que sofreria mudanças significativas nos anos seguintes. Apesar do contrato ter sido considerado apenas um ponto de partida, o Brasil rapidamente alcançou o chamado know-how de energia eólica, o que facilitou a entrada de novos investimentos e barateou o processo de instalação. Outro fator importante para o crescimento do setor foi a exigência, desde a primeira contratação feita com incentivos públicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da produção ser, no mínimo, 60% nacionalizada.

A alta produtividade do vento brasileiro aliada à exigência do banco atraíram dezenas de empresas estrangeiras, que se instalaram definitivamente no país para atender a demanda pelos aerogeradores. A partir desse momento, uma série de acontecimentos marcaram o crescimento do setor no país. Em 2009, ocorreu o primeiro leilão de energia eólica, que captou 9,4 bilhões de reais em investimentos, desde então, todas as contratações desse tipo de fonte superaram a marca de 2 GW por ano. Dois anos depois, em meados de 2011, os aerogeradores passaram a ostentar a marca de segunda fonte de energia mais acessível no Brasil. Em 2013, a exigência de nacionalização passou de 60% para 80%, aumentando a geração de empregos, sobretudo na região Nordeste, o que barateou ainda mais a construção dos parques eólicos, que, em 2017, ultrapassaram as hidrelétricas e alcançaram o posto de energia mais barata do país. A queda no preço é resultado do investimento em tecnologia, todas as fontes renováveis têm ficado mais competitivas no mercado, sobretudo a eólica, por causa da natureza do vento brasileiro, que possui quase o dobro de produtividade em relação aos outros países. Ou seja, podemos esperar fortes investimentos nos ventos tupiniquins para os próximos anos.

Uma das características das construções de energia eólica no Brasil é o arrendamento de terrenos, que acaba elevando a renda dos pequenos proprietários, em vista que a atividade econômica no Nordeste, onde está instalada a maior parte dos parques eólicos, é menor em relação aos grandes centros urbanos. Com o arrendamento, esses pequenos proprietários passam a ter garantias durante toda a extensão dos contratos, que duram, em média, 20 anos. “São famílias que estavam acostumadas a receber o Bolsa Família e que, agora, com o crescimento da energia eólica, acabam se fixando nessas regiões, gerando um efeito socioeconômico muito relevante”, explica Elbia Gannoun, presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica).

A Statkraft, por exemplo, considerada a maior geradora de energia renovável na Europa, anunciou no último dia 28 a construção de um novo parque eólico em Ibipeba (BA), com previsão de entrega até o final de 2023. O Ventos de Santa Eugênia receberá um investimento de 2,5 bilhões de reais e mais que dobrará a capacidade instalada da empresa no Brasil, atingindo 987 megawatts (MW). “O Brasil é provavelmente um dos países mais competitivos do mundo no que diz respeito a energias renováveis. Nesse sentido, estou muito satisfeito em ver que a Statkraft é capaz de produzir um projeto de alto nível como este”, ressalta o CEO da Statkraft no Brasil, Fernando De Lapuerta.

Demanda global

Assim como em praticamente todos os setores da economia mundial, a pandemia de coronavírus trouxe efeitos negativos para o setor, sobretudo na demanda por energia, afinal, o mercado despencou aproximadamente 20% em meados de abril, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), mas vem se recuperando gradualmente desde então. Todavia, o momento de instabilidade certamente fez alguns investidores retraírem e postergarem importantes decisões. De toda forma, anúncios como o da Statkraft Brasil já indicam uma retomada da construção de parques eólicos no país, ainda que a queda não tenha sido tão vertiginosa. “A pandemia trouxe impactos de curto e médio prazo, que vão se dissipar em um ou dois anos. No curto, até interromperam algumas obras, que agora já foram retomadas. A redução da demanda por energia impactou os leilões, que neste ano serão cancelados, porque só são realizados de acordo com a necessidade de energia, que diminuiu em 2020. Esperamos que a partir do terceiro e do quarto ano esse fator se modifique, até porque a carga por energia já está nos mesmos patamares de 2019. O maior desafio do setor não está propriamente no setor, mas sim na economia brasileira, é muito importante que o país volte a crescer”, analisa Gannoun.

A geração eólica em 2019 representou 9,7% de toda geração injetada no Sistema Interligado Nacional (SIN), uma das vantagens da matriz brasileira, que após as graves crises de energia, passou a ter novas e diferentes alternativas, ou seja, quando uma fonte estiver escassa, outras poderão compensar as eventuais perdas, equilibrando o sistema. O número de residências abastecidas por energia eólica em 2019 foi de 28,8 milhões — ou 86,3 milhões de habitantes. Estima-se que 22,9 milhões de toneladas de CO2 foram evitadas, o equivalente à emissão de cerca de 21,7 milhões de automóveis. Ao todo, são 653 parques eólicos e 7.920 aerogeradores no país. Em setembro de 2020, a capacidade instalada era de 16,68 GW, com previsão de que até 2024 esse número alcance impressionantes 25,5 GW, de acordo com o InfoVento, um levantamento da Abeeólica. A empregabilidade do setor está fortemente associada a expansão da própria indústria. Os investimentos devem atingir, em média, a marca de 7 bilhões de reais por ano, que vão gerar energia limpa para o país, melhorar a qualidade de vida das populações locais e contribuir para o desenvolvimento econômico das regiões em que os parques são construídos. “É um Brasil que dá certo”, finaliza Gannoun.

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