Desde criança Manaus tinha um sonho: discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas. – Suponhamos que você consiga realizar esse seu sonho. Sobre o que você vai falar na ONU? – indagavam seus amigos. – Ora, falarei sobre mim, sobre a minha vida, quem eu sou, o que eu faço, sobre a minha gente, sobre a floresta…

De origem muito humilde, do Norte do Brasil, Manaus começou a aparecer para o mundo de forma natural, devido o seu trabalho em defesa do meio ambiente amazônico. Todos que lhe conheciam logo se encantavam por sua beleza natural, sua empatia, sua espontaneidade. No entanto, muitos se aproveitavam de sua inocência para tirar alguma vantagem, seja política, pedagógica, religiosa ou militar.

Preocupados com os últimos acontecimentos, principalmente depois do assassinato da irmã Dorothy Stang, em Anapu, no Pará, no dia 12 de fevereiro de 2005, os seus pais lhe aconselhavam: – Filha, é melhor você desistir desse sonho. Somos pobres, e como tal não podemos lhe ajudar. Enfim, não queremos que você sofra, só isso filha! – É impossível família. Não se larga um sonho de uma hora para outra. Isso aqui é a minha vida. A floresta, os rios, os bichos, os insetos, as aves… Tudo isso aqui sou eu. Vocês sabem disso!

Pela forma como conduzia os debates, as questões ambientais na região, principalmente pela sua forma de ser, pela sua beleza natural, um dia Manaus realizaria o seu sonho. Manaus é um exemplo de que vale a pena lutar por nossos direitos. Quando você quer muito uma coisa, lute para conseguir, pois os direitos só se conquistam pela luta!

Diante da Assembleia Geral das Nações Unidas, ela disse: – Desde o dia do meu nascimento, em 24 de outubro de 1848, sempre sonhei com isso. Eu queria muito estar aqui. Trabalhei muito para realizar o meu sonho. E agora estou aqui. É uma conquista pessoal, mas também uma conquista coletiva. O meu povo merece. Os povos da floresta merecem. O povo do Norte merece…

Manaus discursou como se fosse estadista, líder mundial dos povos da floresta Amazônica… Manaus discursou como se fosse o seu último dia na Terra. Colocou tudo que sentia e o que aprendera com os índios em cada palavra…

Ao final, foi aplaudida de pé. E quando ia saindo da plenária, aproximou-se um repórter e perguntou-lhe: – Então, você disse que a Amazônia é o pulmão do mundo, mas lá está morrendo gente por falta de oxigênio. Como você explica isso? – Não. Eu não disse isso – respondeu-lhe. – Se você analisar o meu discurso direitinho, vai ver que em nenhum momento eu disse que “Amazônia é o pulmão do mundo”. Eu disse que a Amazônia é o berço da vida, e que se não cuidarmos desse patrimônio biológico-cultural iremos todos desaparecer em pouco tempo. Foi isso que eu disse.

Na longa viagem de volta à sua casa, Manaus, em meio às lágrimas, imaginou que nunca mais ninguém pudesse desistir dos seus sonhos; enquanto aquele conselho de seus pais: “Filha, é melhor você desistir desse sonho”, não parava de reverberar em sua mente.

Manaus só foi despertada daquele estágio nostálgico quando uma jovem que estava sentada na poltrona ao seu lado tentava respirar e não conseguia, parecia que lhe faltava o ar. – Você tem asma?  – É muitíssimo difícil respirar. – Calma, moça! – É sério, não consigo respirar. – Você consegue. – Não consigo. – O médico está chegando!

Trinta minutos depois, aproximou-se a aeromoça e lhe disse: – Senhora, infelizmente não tenho boa notícia. – O que aconteceu? – Ela testou positivo para Covid-19. – Como assim? – Faremos um pouso de emergência no Amazonas. – Meu Deus! – Na capital ela terá todo o atendimento necessário para se recuperar dessa doença. – Não é nessa cidade que está faltando oxigênio? – Sim, a cidade está um caos, sem ar, mas nós garantimos que ela terá todo o suporte para se recuperar dessa doença. Ou ela fica aqui ou ela morre, não tem condição de continuar a viagem.

Enquanto o avião fazia os procedimentos de desembarque da paciente, vieram sobre a mente de Manaus, como uma pedra, dois pensamentos filosóficos: 1) “Os homens temem a morte como as crianças temem o escuro.” (Francis Bacon); 2) “Prove suas palavras com seus atos.” (Sêneca). E, por fim, concluiu: – Vou descer aqui, nessa cidade sem ar, para ajudar esse povo.

Luís Lemos

Filósofo, professor universitário e escritor, autor do livro: “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas”.
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