A cidade sem ar – Parte 2

Depois de uma semana trabalhando como voluntária no Hospital Delfina Aziz, Manaus compreendeu na prática o pensamento do filosófico inglês Francis Bacon (1561-1626): “Os homens temem a morte como as crianças temem o escuro.”

De tanto ver gente morrendo, por algum instante, ela também pensou que também já estava morta. – Você precisa descanar – disse a enfermeira-chefa do setor de combate a pandemia de Covid-19. – Eu ainda aguento mais um pouco. – Não. Você tem que ir. Isso é uma ordem.

Aproximando-se ainda mais de Manaus, a enfermeira-chefa lhe disse ao pé do ouvido: – Estamos perdendo essa guerra. Você não tem medo de ser contaminada? – De uma certa maneira todos nós já fomos contaminados, uns por amor, outros por ódio e uma maioria pela indiferença.

Depois de um longo silêncio, a enfermeira-chefa voltou a lhe falar: – Você tem razão, o pior dessa doença é que ela nos tira a sensibilidade. Na verdade, por lidarmos diariamente com a morte, acabamos nos acostumando com ela e acabamos perdendo a nossa humanidade. – Sinto muito, mas não precisa ser assim – disse Manaus abraçando-a.

– Eu tento fazer o meu melhor todos os dias. Mas infelizmente chega uma hora que ficamos sem ar. Perdemos as forças. – Eu entendo o seu esforço, e a dedicação de sua equipe. São homens e mulheres realmente dedicados a salvar vidas.

– De minha parte, como enfermeira-chefa, só estou tentando colocar em prática aquilo que disse Sêneca: “Prove suas palavras com seus atos”. – Que bom. Fico feliz que pensas assim. Eu também penso igualzinho – disse Manaus.

– Diga-me, você sabe quantos profissionais de saúde já perdermos para essa doença? Sabe onde estamos colocando os corpos? A enfermeira-chefa levou Manaus para o lado externo do hospital. – Naquele frigorifico – disse apontando para um contêiner – tem mais de 30 corpos.

– Não quero ser indelicada com a senhora, mas eu não sairei desse hospital enquanto a minha amiga não receber alta. – Que lindo esse seu gesto. A amizade é tudo. Venha cá, agora sou eu que quero lhe dar um abraço. – O seu olhar acolhedor já me basta – disse Manaus esquivando-se do abraço.

– Aqui fazemos o possível e o impossível para que os pacientes se recuperem logo e voltem para o seio de suas famílias – disse a enfermeira-chefa. – É isso o que eu mais desejo nesse momento, que minha amiga se recupere logo. – Qual é o nome de sua amiga? – Patrícia. Ela está no leito 33.

Assim que a enfermeira-chefa e Manaus entraram, vozes vindas do lado de fora invadiram os corredores, as enfermeiras, do hospital. Era vozes lindas, curativas, parecendo vozes de anjos. No mesmo instante elas viram um grupo de pessoas que entoavam hinos religiosos. Não dava para ouvir todo o louvor, mas o refrão chegava com força total: “Cura Senhor, onde dói. Cura Senhor, bem aqui. Cura Senhor, onde eu não posso ir”.

– Gosto muito desse louvor – disse a enfermeira-chefa. –  Você acredita em Deus? – Acredito na ciência. Mas acredito também que a fé ajuda bastante. – Eu também penso assim. Aliás, gosto muito do que escreveu São Tiago: “A fé sem obras é morta” (2:14-26), não serve para nada.

A oração daquelas pessoas, o empenho, a dedicação, o compromisso, a competência e a alegria de todos os profissionais de saúde daquele hospital enchiam de vida os corredores, as enfermarias e todos os pacientes começaram a respirar levemente.

Todos os dias, no final da tarde, aquele grupo se reunia do lado de fora do hospital para cantava hino de louvor e pedir a cura dos pacientes. Quanto mais eles oravam e louvavam mais pacientes recebiam alta, ficaram curados do Covid-19. E foi assim que chegou a vez da amiga de Manaus, Patrícia. – Paciente do leito 33 saindo – disse a enfermeira-chefa.

Com uma plaquinha na mão: “Eu venci à Covid-19” e sobre intensos aplausos, Patrícia recebeu alta depois de 25 dias. – Em nome de minha amiga – disse Manaus -, eu gostaria de dizer umas palavras:

– Louvado sejam os médicos, os enfermeiros, os técnicos, os profissionais de saúde desse hospital, do Brasil e do Mundo. Vocês são as pessoas mais importantes dessa corrente de cura. Cuidem-se vocês também!

E virando-se para a sua amiga Patrícia, curada do Covid-19, Manaus lhe disse:

– Vamos ver o sol nascer?

Luís Lemos

Filósofo, professor universitário e escritor, autor do livro: “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas”.
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