Na recepção do hotel “Santa Cruz”, sem nenhuma cerimônia, a atendente foi logo falando: – Vocês formam um belo casal. Discretamente, elas se olharam. Patrícia deu um leve sorriso, enquanto Manaus chamava a amiga: – Vamos, o elevador chegou. Entraram. No elevador, a ascensorista perguntou: – Qual o andar de vocês? Elas responderam simultaneamente: – 13º.

No apartamento 131, com vista para o Rio Negro, Patrícia de vez em quando olhava pela janela. Quando fez isso pela terceira vez, Manaus se aproximou dela, colocou a mão sobre o ombro direito da amiga e lhe perguntou: – O que você busca no horizonte? – Eu estava aqui pensando como a vida é engraçada. – Como assim? – Engraçada, hora!

Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Patrícia. – Se acalme, tudo isso vai passar. E depois, dê graças a Deus por você também não ter entrado nas estatísticas da Covid-19 no Brasil. – Sim, eu estou agradecida. De verdade. Mas o que adianta viver se eu não tenho um motivo para isso? – Claro que tem. Você tem a sua família.

Agora, Patrícia começou a chorar copiosamente. Rios de lágrimas caiam sobre o seu rosto pálido, parecendo uma morta viva. – O que foi? Falei alguma besteira? – Eu pensei que você ia dizer “agora você tem a mim”. – Sim, somos amigas, já falei. Pode contar comigo. – E eu já te falei que eu não quero ser só sua amiga. Eu quero ser sua namorada.

Agora era Manaus que estava pálida. Jamais esperava uma revelação daquelas. Manaus era do interior. Não tinha as malicias das mulheres da cidade grande. Virgem, apesar da idade, nunca tinha beijado. Vivida para os projetos sociais. Já tinha até pensado em ser freira. Aos poucos foi descobrindo que a sua vocação era ajudar os necessitados.

Juntando foças do seu interior, de sua formação familiar de mulher do campo, respondeu a sua amiga: – Dizem os psicanalistas que foram os poetas, os escritores românticos que inventaram o amor. É a mais pura mentira. O amor, a sensação de amar, é uma emoção eterna, que emana, assim, naturalmente, do desejo de amar. Os poetas, os escritores apenas assumiram o papel de transcrever em palavras o sentimento mais profundo da alma humana, a quem deram o nome de amor.

Depois de um suspiro profundo e de tomar um copo com água, ela continuou: – Somente quem ama de verdade pode entender a grandeza do amor. O amor não tem idade, cor, cheiro, peso, tempo, lugar, sexo. O amor verdadeiro é livre de qualquer tipo de preconceito, ideologia, seja ela partidária, religiosa, cientifica, cultural, militar. É a forma mais genuína de expressão humana.

Enquanto Manaus falava, Patrícia contemplava os olhos verdes e os lábios carnudos de Manaus e ia se apaixonada cada vez mais por ela. Cada palavra que ela pronunciava soavam como mel nos ouvidos de Patrícia. Já estava para roubar-lhe um beijo, mas Patrícia controlou seus impulsos e desejos. – Há quem diga que o amor verdadeiro é doação.

Isso empolgou Manaus, que voltou a falar, parecendo que estava discursando na Assembleia Geral da ONU. – Sim, é verdade. Você tem razão. O amor verdadeiro é doação. Somente quem ama de verdade trabalha em prol de um mundo melhor, onde os seres humanos se perpetuam pelo poder mágico do bem. Quem não é solidário não é digno de amar verdadeiramente – concluiu. – Você é solidária? – perguntou Patrícia. – Sim, claro que sou! – Mas não comigo! – respondeu Patrícia.

Novamente, um grande silêncio se fez. Manaus tentando fazer uso da razão, disse mais uma vez para Patrícia: – Olha para nós duas. Quem nós somos? Qual a nossa história? Não podemos nos deixar levar por sentimentos mesquinhos, vãs. Somente quem ama é capaz de preservar uma amizade pelos confins do tempo.

Também Patrícia parecendo recuperada do desejo carnal, disse-lhe: – Somente quem ama de verdade é capaz de tornar-se um poeta para o seu amor declarar, e dizer com todas as letras, olhos nos olhos, “eu te amo”, mesmo sabendo que você não me ama como eu te amo.

Rodeadas de afetos, de uma amizade sincera, naquele apartamento 131, de vista para o Rio Negro, no centro de Manaus, as duas amigas contemplam o horizonte. Num dado momento elas se aproximam, se abraçam, trocam carícias, uma cochicha um segredo no ouvido da outra, riem, e ficam olhando para o horizonte, cumplices no laço que as unem. A partir daquele instante, uma sem a outra não vive. Amigas para sempre!

Luís Lemos

Filósofo, professor universitário e escritor, autor do livro: “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas”.
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