Há basicamente duas formas de autoconhecimento: aquilo que eu sou, ou seja, a forma como eu me vejo, e aquilo que os outros dizem que eu sou, ou seja, a forma como os outros me veem. A importância do autoconhecimento reside no equilíbrio dessas duas dimensões.

Infelizmente muitas pessoas se apegam apenas na primeira dimensão e acabam fechando-se para o outro, tornando-se egoísta; ou o contrário, preocupam-se apenas com a opinião alheia e passam a encontrar defeitos que não existem de fato, tornando-se infeliz.

Refletindo sobre essa questão, lembrei-me da fábula da lebre que pensava que tinha chifres. “Aconteceu um dia que o leão foi ferido numa batalha por um unicórnio. Nunca tinha acontecido uma coisa do gênero e o leão, enfurecido pela derrota e com medo de perder o seu prestígio de rei da floresta, baixou logo uma lei severíssima: todos os animais munidos de chifres deviam deixar imediatamente os seus domínios, sob pena de morte.  

Os mensageiros espalharam a notícia na floresta e provocaram um grande tumulto; mas ninguém ousou discutir as leis do leão, fossem elas justas ou injustas. E assim, cabras, touros, bodes fizeram as suas trouxas e mudaram-se apressadamente; cervos e veados, corças em multidões decidiram que a melhor coisa a fazer era mudar de ares.

Boa parte da floresta despovoou-se. O leão estava satisfeitíssimo. Um dia, perto do pôr-do-sol, uma lebre estava tranquilamente roendo grama em uma clareira quando viu, no chão, à imagem de suas orelhas, e quase morreu de susto. – Ah, as minhas orelhas! Se algum guarda do leão as vir, tão compridas e retas, pensará que são chifres e para mim será o meu fim. É melhor fugir já – pensou a lebre.

Mas, antes de ir embora para sempre daquele lugar, onde tinha nascido e crescido, quis despedir-se de um velho grilo sábio, seu vizinho de casa. – Adeus, amigo grilo, sou obrigada a deixar a floresta, contra a minha vontade. O grilo olhou para ela pasmo.

– E por que você vai fazer isso? – perguntou. – Por causa das minhas orelhas. – Comadre lebre, eu não estou entendo nada. O que têm de perigosa, as suas orelhas? – Parecem chifres, e morro de medo só de pensar que alguém se engane. O grilo riu.

– E você chama isso de chifres? Você é mesmo uma tola. São só as orelhas que Deus lhe deu. – Eu sei, eu sei, mas vão dizer que são chifres – respondeu a lebre cada vez mais assustada. – E eu vou ter que reclamar, explicar as minhas razões. – Deixa de ser tão cruel contigo mesma, minha comadre! – Você não sabe que diante dos poderosos, os fracos estão sempre errados? – Sim, mas você acha que fugir é a melhor opção? E fugiu, para bem longe; desde então, nunca mais ninguém viu a pobre lebre”.

É real o que essa fábula conta: muitas vezes encontramos em nós defeitos que não existem de fato, e assim sentimo-nos ameaçados com o que a nossa própria imaginação produz, aumentamos o tamanho dos problemas e o medo nos limita as forças, freia-nos na nossa potente capacidade de reação, de luta.

Por fim, e não menos importante, deixemos de lado os problemas imaginários, os defeitos que os outros nos apontam, e confiemos mais em nós mesmos, nas nossas capacidades. O mundo já é muito cruel, não podemos ser carrascos de nós mesmos!

Luís Lemos

Filósofo, professor universitário e escritor, autor do livro: “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas”.
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