Neste sábado, dia 1º, é aniversário do meu primogênito. Luís Carlos, o nosso Caco, só nos tem dado orgulho e alegria. Em sua homenagem, estou republicando texto que escrevi em 2017, quando ele foi vítima de abjeta injustiça. Eis aí:

Eu ainda não tinha completado dezoito anos quando assisti à primeira aula do curso de direito. O professor era o saudoso mestre Ernesto Roessing, responsável pela cátedra de direito romano. Aprendi, então, uma lição que jamais esqueci. Consistiu ela na enunciação dos três princípios da ciência jurídica que, apesar de formulados há mais de dois mil anos, permanecem vivos, íntegros e atuais. São eles: viver honestamente, não prejudicar ninguém e dar a cada um o que é seu. Formei-me com isso na cabeça e fui para a advocacia, onde, se não fiz fortuna, consegui por mais de meio século, respeitar meus clientes e ser por eles respeitado, porque, atuando no direito criminal, sempre soube que a dignidade do ser humano é bem que não pode sofrer ameaças e, muito menos, ser vilipendiado.

Vieram os filhos. Quatro no total. Eu os imergi no mesmo caldeirão de princípios em que estava mergulhado, acrescentando o forte molho da universalidade e da fraternidade socialistas, advertindo-os sempre de que a igualdade entre os homens depende de uma luta permanente, sem trégua e sem fronteiras. Luta as mais das vezes inglória porque não compreendida ou não querida pela maioria. Isso, quando não repelida abertamente. Deram-me, todos eles, as alegrias da infância, as preocupações da adolescência e o orgulho do grau universitário. Em síntese: fizeram-se adultos.

O mais velho deles, batizado como Luís Carlos Honório de Valois Coelho, resolveu fazer o concurso para juiz de direito, no Tribunal de Justiça do Amazonas. Fez, passou e foi nomeado para a comarca de Tabatinga. Era o ano de 1993, quando eu e o hoje procurador de justiça Francisco Cruz o acompanhamos para a assunção do cargo naquela cidade mais ao oeste do Amazonas. Pouco mais de dois anos depois, fui visitá-lo em Maués, para onde tinha sido removido. Ali, comecei a ver um juiz de novo tipo. Infenso à juizite, integrava-se com o povo, mostrando aos jurisdicionados que a autoridade judiciária pode perfeitamente dispensar a carranca para bem cumprir seu papel. Basta não serboçal.

Chegou a promoção para a capital e, aqui, a lotação na Vara de Execução Penal, onde permanece até hoje. São mais de quinze anos com a incumbência de cuidar no sentido de que as pessoas condenadas a cumprir pena de prisão não sejam submetidas a nada além disso. Vale dizer: perderam a liberdade, mas é dever do Estado manter intocados todos os seus outros direitos, inclusive e principalmente aqueles inerentes ao ser humano como tal. Árdua missão, na medida em que a estrutura do sistema prisional brasileiro é medieval, retrógrada e corrupta.

Caco (é assim que, em família, nós chamamos o juiz) não se intimidou com isso. Foi à luta. Fez mestrado e doutorado, nunca tergiversando na convicção de que a pena de prisão, como posta no cenário atual, é cruel, além de inútil. Muito mais ainda porque banalizada e distribuída a mancheias, a partir de uma visão tola e repressiva que, invocando uma ressocialização utópica e mentirosa, tem o cárcere como panaceia universal.

Pois muito que bem! Esse meu filho, esse juiz de direito, inovador, humilde e competente, humanitário e dedicado, é hoje reconhecido, acatado e admirado pelas mais respeitáveis instituições jurídicas do Brasil e do estrangeiro. Sem embargo disso, tem sido vítima, paralelamente, de uma soez campanha difamatória, assim como se estivesse vinculado a organizações criminosas e atuando para satisfazer interesses menores e ilícitos de presos. É a imputação mais abjeta, estúpida e desarrazoada. Só os completamente idiotas lhe podem dar crédito.

Apesar disso, dói. Dói muito e profundamente no coração deste velho pai. Fere o seio de uma família, porque mutila a verdade, porque engrandece a leviandade e porque consagra a mentira. Estou, por isso, profundamente indignado. Minha indignação é daquelas que não encontram limites. Ela não se forja apenas no cadinho do amor paternal. Vai além: repousa na revolta contra a injustiça, na intolerância com a estupidez e no mais acendrado amor à verdade.

Por isso, perdi a paciência. Já não aguento ver meu filho sofrer por conta da estupidez alheia. Indignado e sem paciência, quero fazer uma conclamação a todos aqueles que, aqui ou alhures, detrataram ou detratam meu filho: vão solenemente à merda. Nela fiquem e, nela, façam como o filósofo Diógenes: acendam uma lanterna ao meio-dia e busquem dentro de suas próprias famílias, se é que as têm, alguém que possa chegar aos pés do meu filho em honradez, competência e dignidade. Duvido que encontrem.

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