Por Carlos Santiago*

O tempo e os malfeitores levaram a minha Manaus. Agora, ela é só existe na mente e nas lágrimas das lembranças.

A cidade que acordava com o canto dos galos, com os pássaros alegres nas mangueiras e com as cigarras anunciando belos dias, não existe mais.

O lugar das comadres e dos compadres, das casas sem muros, das conversas nas tardes sem hora para acabar, das contagiantes gargalhadas de felicidade e que ia dormir com o som das músicas que tocavam nos radinhos,  não existe mais.

Manaus dos badalos dos sinos das igrejas, do caminhar sem olhar pra trás, das moças de tranças nos cabelos, dos beijos das jovens sem batons, das brincadeiras nos quintais e das festas nos arraiais escolares, não existe mais.

Aquela cidade de rios e de igarapés de águas limpas, das árvores de castanheiras e de seringueiras que eram avistadas em qualquer área, e de buritizeiros majestosos que ofereciam sombras e vinhos deliciosos, não existe mais.

Aquele torrão do bumba Meu Boi, da dança dos Cacetinhos da Escola Técnica Federal do Amazonas, da dança do Cangaço, das quadrilhas de Cirandas, dos Festivais Folclóricos no estádio General Osório e do Cinema Ypiranga, não existe mais.

A Manaus do carnaval da Avenida Eduardo Ribeiro, dos belos bailes carnavalesco do Rio Negro Clube, do Ideal e do Olímpico Clube, dos concursos de fantasias, dos lançamentos de talcos nas cabeças dos foliões e da Escola de Samba Em Cima da Hora, não existe mais.

Cidade do colosso estádio Vivaldo Lima, do clássico Rio-Nal, dos títulos do Fast Clube, da batucada do Rio Negro Clube, do Nacional, com sua imensa onda da torcida azul, da narração esportiva do magnífico Carlos Carvalho,  do handebol e do vôlei nas escolas, não existe mais.

O lugar dos prédios históricos preservados, da biblioteca pública cuidada, de inúmeros museus funcionando, do Porto Público acessível e do mercado Adolpho Lisboa beijando o rio Negro e sempre avistando os canoeiros a passear e a comerciar, não existe mais.

A Manaus onde não existia tanta distância espacial entre ricos e pobres, entre centro e o bairro, entre a casa e a árvore, entre a comida de casa e a da rua, entre os pais e filhos, entre o médico e o paciente, não existe mais.

Hoje, Manaus é cosmopolita. Não dorme, não descansa e os seus habitantes vivem nela como sonâmbulos. Tornou-se uma cidade cinza, triste. Seus igarapés morreram, muitos pássaros sumiram e as árvores vistosas de antes, foram cortadas.

O tempo mudou. Manaus e os seus malfeitores também. Enquanto a cidade sofre com os desmandos do passado e do presente, seus malfeitores ainda estão vivos, com seus nomes em praças, em prédios públicos, em ruas e avenidas. Muitos deles vivem subindo em palanques políticos, e estão bem sorridentes em governos e em condomínios de luxo.

Uma cidade não é feita só de prédios, ruas, avenidas, fauna, flora, ricos e pobres. Ela também é feita de e por gente, que multiplica culturas, emoções, sentimentos. Num jargão popular Manaus é povo, é tudo.  

Manaus é o reflexo do amor e do cuidado dos seus habitantes, mas sofre com seu abandono. Já não podemos trazer de volta o passado, nem aquela cidade pequena, alegre, de convívio pacato, de belezas naturais e das diversas manifestações culturais, mas chegou a hora de pensar na cidade do presente e do futuro.

Sociólogo, Analista Político e Advogado.

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