Desde os remotos tempos da minha infância, sempre ouço alguém dizer, aqui e ali, que “a natureza é perfeita”. Nos setenta e sete anos em que vagueio por este vale de lágrimas, não me foi dado encontrar muitas razões que corroborem afirmativa tão contundente. “Perfeição” passa a ideia de irretocabilidade. No dizer de Houaiss é a “excelência no mais alto grau”. Será tudo isso mesmo, este mundo em que vivemos? Tenho cá minhas sérias dúvidas. É claro que não estou esquecendo (e se o fizesse os ecochatos caíram de pau em cima de mim) que os humanos não somos lá flor que se cheire na relação com o ambiente. Mas, afastados absurdos e exageros, é preciso ter presente que o só fato de o planeta ser habitado implica, necessariamente, em que nele sejam buscados os meios necessários para a melhoria das condições de vida. Para a sobrevivência mesma da espécie. Isso me parece ponto pacífico.

O que me intriga, na verdade, quando ouço ser proclamada a tal perfeição, são detalhes com os quais aprendemos a conviver e que, por isso, são tidos como naturais e indispensáve.is. Por exemplo: cobra. Alguém pode me dizer para que existe réptil tão repulsivo e perigoso? Haverá sempre quem replique que tem ela seu papel no equilíbrio, comendo sapos e insetos. Acontece que também não vejo nenhuma necessidade da existência desses dois tipos de animal. O batráquio, menos sórdido que a cobra, não é lá um modelo de simpatia a que se possa dedicar alguma afeição. Dos insetos, nós, amazonenses, podemos falar de cátedra, bastando lembrar o inferno que é um carapanã zoando nos ouvidos do infeliz e a mutuca, aporrinhando incansável quem se dedica ao inocente mister de uma pescaria amadora.

Nestes tempos de feminismo exacerbado, não custa lembrar que o antigamente chamado sexo frágil ficaria muito mais a locé se não tivesse que invocar o exemplar masculino da espécie para eliminar aquela barata que surgiu no banheiro. E convenhamos que Kafka foi extremamente sádico quando imaginou a metamorfose de um ser humano precisamente nesse ortóptero que, além de ostentar uma inutilidade monumental, não é agradável à vista nem à saúde. Na sua esteira, a lista tenderia ao infinito, sendo suficiente trazer à baila a osga, a cobra de duas cabeças, o carrapato e o percevejo, com especial atenção para este último, que nunca foi cogitado a participar dos insumos da “Maison Chanel”.

E existem, lá nas regiões onde a superstição medieval teria como o endereço do inferno, umas tais de placas tectônicas. O que elas sejam é algo que escapa à limitada cultura do escriba. Mas é certo que, mesmo eu, vez por outra estou frente à frente com a notícia de que “o deslocamento das placas tectônicas” causou um terremoto ou provocou um tsunami. Ora, por que não ficam elas sossegadas em seus lugares, ao invés de se danarem a saracotear, gerando tragédias e mortes? Se isso tem alguma coisa a ver com perfeição, eu acabo sendo mico de circo. A propósito, faço um parêntese para pedir encarecidamente aos repórteres de todo o mundo (quanta pretensão!) que, ao noticiarem que um terremoto atingiu x graus na escala Richter, indiquem também até quantos graus vai essa escala. Só assim, os ignorantes como eu poderão avaliar a dimensão do problema.

A produção de seres humanos também não é algo que estimule a crença na perfeição da mãe natura. Se tivemos Cristo e Gandhi, o outro prato da balança teve que arcar com os pesos de Hitler e Bursh. Isso se quisermos ficar na simples alusão à história, porque, na atualidade mesmo, o quadro não é lá muito animador. Trump acha que pode colocar o mundo sob o tacão das suas botas e Maduro parece acreditar que socialismo é a universalização da miséria. Um e outro não são exemplos que eu possa mencionar para os meus netos com algum tipo de orgulho. Longe disso. O coelho Pernalonga e a cadelinha Marshall, da patrulha canina, são mais simpáticos e menos danosos.

E a República? Ela, que já não anda muito bem das pernas, está sob séria ameaça quanto ao seu futuro próximo. O presidente encara a pandemia como brincadeira e um de seus filhos delibera provocar a China por simples diletantismo. E com o aval do Itamaraty. Parece que resta apenas aos adeptos da tal perfeição invocar a inspiração condoreira de Castro Alves e suplicar: “astros, noites, tempestade, rolai da imensidade, varrei os mares, tufão”. Pode ser que assim se opere uma assepsia ampla e irrestrita e a Nação possa voltar a respirar aliviada. A natureza, então, teria prestado um serviço inestimável à Humanidade. E ao Brasil, em particular.

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