Há dezessete anos fiz publicar o texto abaixo. Impressiona-me o fato de o quadro, na sua essência, ter sofrido alterações para pior. Como tudo indica que se avizinham tempos de repressão maior e mais generalizada, pareceu-me oportuno relembrar o que, à época, foi ponderado. Segue a transcrição:

Quando, ao final da segunda grande guerra, em 1945, os Estados Unidos cometeram os genocídios em Hiroshima e Nagasaki, morreram, segundo as estatísticas oficiais, 340 mil pessoas.

Brutal, mas comparado com o que vem acontecendo no Brasil, em pleno tempo de paz, parece trecho de uma canção de ninar.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE divulgou esta semana uma pesquisa intitulada Síntese de Indicadores Sociais. Por ela ficamos sabendo que em vinte anos, de 1980 a 2000, cerca de 600 mil brasileiros foram assassinados e que a taxa de homicídios subiu 130%. Só na década de 90, 369.101 compatriotas foram vítimas desse crime, superando, portanto, o número de mortos registrado na tragédia japonesa.

O demógrafo Celso Simões, que foi um dos coordenadores da pesquisa, não perdoa e aborda a questão de forma direta: “Todo o problema se concentra na falta de perspectiva na população jovem de 15 a 24 anos. Eles não têm emprego e a evasão escolar é alta nesta faixa etária. Estão soltos no mundo, disponíveis para serem arregimentados pela marginalidade. O Rio de Janeiro é uma fronteira aberta”.

Até que enfim uma voz oficial se levanta para proclamar a evidência que tantas e tantas vezes tenho ressaltado na minha humildade provinciana: o crime e todo o seu entorno não são um problema jurídico e não vai ser através de leis estúpidas e draconianas que conseguiremos combatê-los.

Dou apenas um exemplo: foi em 1990 que surgiu a lei 8072, a tal que criou, sem lhes definir o conceito, os crimes hediondos. Balaio sem tampa, no qual foram sendo depositados crimes pela simples variação de humor do legislador ou pelos interesses da mídia, esse instrumento legal está eivado de inconstitucionalidades e violências. É o caso da obrigação de o condenado a pena privativa de liberdade cumpri-la integralmente em regime fechado.

Todavia, a hedionda lei não impediu que, das duas décadas objeto da pesquisa, tenha sido precisamente na de 90 que se registraram dois terços dos homicídios detectados.

Vale ouvir novamente a lucidez do doutor Celso Simões: “Conseguimos diminuir a mortalidade infantil para nossos jovens começarem a morrer de maneira estúpida. Essa violência é um fenômeno que vem crescendo, principalmente na década de 90, e coincide com a própria crise econômica. Altas taxas de desemprego estão associadas a altas taxas de violência”.

Parece o óbvio e até acredito que o seja. Mas é um tapa na cara dos adeptos desse sórdido movimento intitulado “Lei e Ordem”, que proclama, a partir de um ideário norte-americano (de onde mais?), a necessidade de leis mais rígidas como forma primacial de combater a criminalidade.

Tomara que a pesquisa, cujos resultados só nos enchem de vergonha, sirva pelo menos para despertar a consciência dos governantes para a evidência destacada pelo mesmo doutor Simões: “É preciso uma política pública objetiva de inserção dos jovens no mercado de trabalho e na educação”.

Fora disso tudo é conversa fiada e as escandalosas operações policiais, tão a gosto dos oportunistas, só servirão mesmo para reativar o conhecimento de espécies zoológicas ou para destacar as virtudes de bíblicos e lendários personagens.

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