Um jogador de vôlei italiano surpreendeu o mundo na semana passada ao admitir ter sido enganado por uma golpista que o fez a acreditar que namorava, por 15 anos, a supermodelo brasileira Alessandra Ambrosio. O esportista perdeu mais de R$ 4 milhões ao perfil falso. Por mais surreal que a história pareça, ele não está sozinho no grupo de vítimas desse tipo de crime.

Chamado de estelionato sentimental ou afetivo, o golpe ocorre quando um criminoso (ou uma criminosa) fazem juras mentirosas de amor ou de afeto para obter vantagens, principalmente dinheiro e bens patrimoniais. O crime popularizou-se durante a pandemia do coronavírus, quando contatos virtuais substituíram mais interações reais, porém fazia vítimas antes das redes sociais e da banda larga.

Só que nem todo golpista recorre a fotos de beldades ou de galãs para estampar perfis falsos. Para toda vítima em potencial, aparece um criminoso metido a Don Juan para conquistá-la não necessariamente pela beleza, mas por demonstrações de interesse, admiração e romantismo.

“De modo geral, o estelionatário sentimental cria com a vítima uma relação de dependência emocional muito grande. Antes de pedir o dinheiro, ela se torna a pessoa mais romântica e maravilhosa do planeta”, explica a advogada criminalista Maíra Fernandes.

Para que o estelionato emocional fique comprovado, é preciso que tenha ocorrido fraude ou mentira como estratégia para ganhar dinheiro ou patrimônio. O alvo precisa ter sido ludibriado para favorecer o bandido, destaca uma advogada especializada em direito criminal.

“Não é crime induzir alguém a acreditar em sentimentos não verdadeiros, por exemplo. É preciso haver fraude e que a vítima tenha sido induzida a erro, para a configuração do estelionato, ainda que no âmbito de relações pessoais ou afetivas”, explica a criminalista Fernanda Tórtima.

As táticas de conquista variam, mas trazem muitas semelhanças. Mostra-se bastante frequente, por exemplo, o criminoso alegar que enviou um presente e que, para recebê-lo, a vítima precisaria fazer um pagamento. Essa era uma das estratégias de uma quadrilha formada por 210 pessoas e denunciada pelo Ministério Público de São Paulo na Operação Anteros.

O grupo mantinha uma empresa de logística de fachada e dezenas de “sedutores” para captar alvos e roubar dinheiro deles. A Polícia Civil calculou que foram feitas mais de 400 vítimas em três anos de atuação em todos os estados do Brasil. O prejuízo estimado é de R$ 17 milhões. Algumas delas tentaram recuperar o dinheiro quando desconfiaram das histórias, mas passaram a sofrer ameaças.

“O que configura o estelionato é a expectativa da pessoa de reaver os valores e não ocorrer esse ressarcimento. A pessoa passa por isso pelo sentimento que tinha pelo infrator, quando na verdade nunca existiu qualquer sentimento. E isso tem consequências cíveis (de indenização) e criminais (de prisão)”, explica a advogada Marcela Jatobá Guida, do Opice Blum Advogados.

Pena baixa

Embora possa provocar prejuízo milionário às vítimas, a punição para o crime de estelionato é considerada baixa (de 1 a 5 anos de detenção), apesar de poder aumentar de 1/3 ao dobro se a vítima for idosa (mais de 70 anos) ou vulnerável (pessoa com deficiência mental, criança ou adolescente). Só costuma dar cadeia quando o criminoso faz mais de uma vítima ou também pratica crimes como falsidade ideológica ou lavagem de dinheiro.

“É um crime horrível em que pese a pena ser ridícula. E é o crime da moda. Nessa fase de pandemia, com pessoas o dia inteiro na internet, virou a coisa mais fácil do mundo”, critica a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Embora a fraude tenha sido mais noticiada recentemente, existe a percepção entre profissionais jurídicos de que esse é um delito bastante subnotificado às autoridades. Isso ocorre pela vergonha que vítimas sentem de assumir que foram enganadas e que precisam de ajuda.

“É como crime sexual. A vítima tem de se expor. Não raras vezes, precisa abrir o sigilo bancário. Sente vergonha de contar o que aconteceu para o delegado, para o promotor, para o juiz, para todo mundo. Isso impede muitas vezes que procure o sistema de Justiça”, destaca a desembargadora.

Também contribui para a subnotificação uma reforma recente do Código Penal, que passou a exigir que a vítima se manifeste expressamente a favor da punição do criminoso, na chamada manifestação de vontade. O Ministério Público começou a precisar não só que a vítima preste queixa contra o estelionatário, mas também que ela declare especificamente que deseja vê-lo punido, para que seja assim aberto um inquérito e, posteriormente, o culpado seja acusado na Justiça.

Principais alvos são mulheres

Apesar de esse tipo de estelionato atingir tanto homens quanto mulheres, a advogada Mayra Cotta, especializada em violência de gênero, avalia que condições sociais contribuem para que mulheres sejam mais prejudicadas e que o crime só seja tratado como “estelionato emocional” quando afeta vítimas do sexo feminino.

“Tem de desnaturalizar a ideia de que danos emocionais dizem respeito só às mulheres. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que a forma como papéis de gênero são construídos socialmente, de fato, vulnerabilizam mais as mulheres a certas condutas que exploram a dimensão afetiva”, argumenta.

Para Mayra, a sobrecarga de trabalho sofrida principalmente por mulheres na pandemia também pode ser uma explicação para o aumento desses casos no período.

“A pandemia trouxe uma dimensão da fragilidade da saúde mental de todo mundo, que pode ter vulnerabilizado principalmente as mulheres, mais sobrecarregadas. Isso pode ter aberto uma avenida de oportunidades para quem quisesse obter vantagem disso”, acrescentou. (Metrópoles)

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