Nos anos sessenta e setenta do último século, uma organização nazifascista estava em alta cotação nos círculos mais reacionários do pensamento político. Era conhecida como “Tradição, Família e Propriedade” e com a sua sigla (TFP) inscrita em imensas bandeiras negras costumava sair às ruas pregando tudo o que podia haver de mais retrógrado. Como era a época da guerra fria, já dá para imaginar que o anticomunismo era a peça de resistência do movimento. “Comunista se alimenta de cérebro de criança e de miolo de freira”, “comunista bom é comunista morto” eram algumas das palavras de ordem do grupo, que traduzia os ideais integralistas de Plínio Salgado.

Conta-se que numa dessas andanças, então ocorrendo num bairro modesto desta Manaus, os intrépidos cavaleiros tefepanos adentraram uma residência onde uma idosa senhora trançava seu crochê, sentada num banco de madeira. Educada, a senhora lhes ofereceu água que foi recusada por não ser gelada. O líder foi se explicar à dona da casa, dizendo a que veio: “Minha tia, nós estamos aqui para avisar a senhora do perigo do comunismo, que, a qualquer vacilo nosso, pode tomar conta do país”. A velhinha, na maior calma do mundo, retrucou: “E eu posso saber o que é esse tal de comunismo?” Eis a científica explicação dada pelo moço: “Nem queira saber. É uma coisa pavorosa. Basta eu lhe dizer que os comunistas tomam as coisas da gente para distribuir com os outros”. Para surpresa da horda, a velhinha deu um sorriso e singelamente disse: “Ora, mas se é só isso eu até queria que viesse um comunismo desses: podia ser que assim eu ganhasse pelo menos uma cadeira de balanço”. Foi um deus-nos-acuda! O líder foi imediatamente deposto e o grupo foi cantar noutra freguesia.

Esse anticomunismo patológico, se já era ridículo naquela época, transplantado para os dias de hoje revela apenas uma idiotice de dimensões amazônicas. Seria razoável imaginar que mesmo os mais conservadores se dão conta dessa evidência e jamais repetiriam aqueles conceitos esdrúxulos. Infelizmente não é bem assim. Aqui mesmo neste Parque 10, onde vivo há quarenta e seis anos, tive oportunidade de ver, esta semana, na avenida Perimetral, um “outdoor” com a seguinte inscrição: “Bolsonaro – a nossa última barreira contra o comunismo”. Que coisa. Cá comigo tenho certeza de que tamanha insensatez só pode ter sido parida por alguém que resulte do cruzamento de arame farpado com água parada.

Que comunismo é esse que está sendo barrado por essa ridícula figura presidencial? Olho para o quadro político nacional, inclusive com vistas às eleições do próximo ano, e não consigo vislumbrar ninguém nem alguma coisa que, mesmo de longe, possa ser chamada de comunista. Se existisse, o tal comunismo do painel estaria vindo pelo Guaramiranga.

Agora, que Bolsonaro é uma barreira eu não duvido. Mas o que ele barra está a anos luz de ser o comunismo. Barra, sim, a ciência, conforme demonstrou no enfrentamento da pandemia. Pregou com veemência um tratamento precoce, desprezado pelos cientistas do mundo inteiro e as consequências estão aí: estamos chegando aos quatrocentos mil mortos, sem que o governo federal apresente um esquema minimamente razoável de imunização de toda a população.

Por tudo isso, chorei amargamente quando soube, também nesta semana, que a Assembleia Legislativa do meu Estado outorgou o título de Cidadão do Amazonas ao senhor Jair Bolsonaro. Que esculhambação. Só pode ser brincadeira de mau gosto e achincalhe com um povo que sofre na carne os desmandos e a arrogância do Bozo. Mais do que isso: é uma demonstração de subserviência ignóbil, uma sabujice gosmenta que desperta a revolta de quem tenha o mínimo de sensatez. Eu não quero ter o Bozo como conterrâneo e, por isso, me solidarizo com o voto contrário e solitário do deputado Serafim Correia. Quero continuar tendo orgulho de ser amazonense e não consigo ver em que esse orgulho pode ser reforçado com a ridícula outorga feita pelo parlamento local.

Bolsonaro, na verdade, é uma vergonha para o Brasil e o Amazonas já tem problemas demais para ainda importar mais um. Que os bajuladores caiam em si e tenham a dignidade de desfazer a sandice. Duvido que isso aconteça, mas não me custa desejar.

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