O senhor Manoel Sevalho do Santos, de 89 anos, passou a vida rodando, a trabalho, pelo interior do Amazonas. Foi pescador, cortou madeira e, como ele mesmo gosta de contar, foi soldado da borracha. Nas andanças da vida, foi justamente isso que o levou a procurar o mutirão de atendimentos do programa Defensoria Itinerante, em Coari (a 363 quilômetros de Manaus), nesta semana.

Os soldados da borracha são os brasileiros que, na década de 1940, foram alistados pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), com o objetivo de extrair borracha para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. A Lei 7.986/1989 assegura aos soldados da borracha o pagamento de pensão mensal vitalícia no valor de dois salários mínimos. Conforme a legislação, cabe à Defensoria Pública promover a justificação judicial do interessado.

A maioria dos peões que trabalharam na extração do látex das seringueiras, matéria-prima da borracha, atendendo ao governo brasileiro, eram nordestinos. Mas Manoel é amazonense e nasceu em Tefé. Hoje, morando em Coari, ele não perdeu a oportunidade de contar com o apoio da Defensoria Pública do Estado (DPE-AM) para buscar seus direitos. Com o programa Defensoria Itinerante, o órgão realizou três dias de atendimento na localidade, de 24 a 26 de setembro. “Sempre Deus ajuda e manda umas pessoas para cá, para Coari”, comemorou Manoel.

Além da pensão mensal vitalícia, desde 2014, os soldados da borracha têm direito a uma indenização de R$ 25 mil. O benefício passou a valer quando o Congresso promulgou a Proposta de Emenda à Constituição, que tramitou no legislativo federal – batizada de “PEC dos Seringueiros”. Com a assistência jurídica gratuita da DPE-AM, Manoel requereu na Justiça o recebimento da pensão e da indenização.

Para atrair as pessoas para a Amazônia, o governo adotou uma campanha de recrutamento com tom otimista sobre o trabalho nos seringais. Segundo pesquisadores, no entanto, os soldados da borracha deviam desde o transporte até o alimento aos donos de terras. O sistema mantinha o trabalhador preso por meio de uma dívida. Fato que Manoel ainda lembra. “Eu trabalhava em Codajás. Comprava as coisas no Centro e marcava”, recorda.

Segundo a defensora pública Adriana Martins, que atendeu Manoel em Coari, como muitos soldados da borracha vivem no interior dos estados da Amazônia, eles têm dificuldade de requerer os benefícios.

“É gratificante poder ser o instrumento capaz de entregar a merecida compensação a esses idosos que dedicaram a juventude na perspectiva de trabalho e sustento de suas famílias, quando na verdade eram submetidos a trabalho semelhante ao escravo. Lamentavelmente, os soldados moram hoje em regiões carentes. Isso faz com que muitos não consigam usufruir de seus direitos pessoalmente”, afirma a defensora.

Adriana também destaca que a indenização de R$ 25 mil também pode transferida aos dependentes do soldado da borracha que comprovem o estado de carência. Em 2014, quando a PEC dos Seringueiros foi promulgada, a estimativa era de que cerca de 6 mil soldados da borracha, que hoje são octogenários e nonagenários, estivessem vivos. Outros sete mil dependentes também estariam aptos a receber o benefício.

Para receber os valores destinados aos soldados da borracha, a lei exige comprovação material da prestação de serviços à época. Manoel já possui um parecer do Ministério Público do Estado comprovando o trabalho. “Naquele tempo não davam nada (documento). Era só trabalhar. Há uns anos, outros soldados daqui conseguiram. Eu estava pelejando, mas fiquei pra trás”, conta Manoel Sevalho do Santos, que fez aniversário este mês.

Atendimentos em Coari

Durante os três dias em que o programa Defensoria Itinerante esteve em Coari, 380 pessoas foram atendidas pela DPE-AM nas áreas Cível, Criminal, Consumidor, Família, Infância e Juventude, Previdência, entre outros. Além disso, os defensores públicos que atuaram na ação conseguiram intervir para a celebração de acordos de mediação em casos de pensão alimentícia, guarda dos filhos e partilha de bens em divórcios.

A defensora pública Juliana Lopes, coordenadora do programa Defensoria Itinerante, destaca que a celebração de acordo evita a judicialização de processos, o que prolonga o tempo para chegar à solução de conflitos.

“Com a mediação da Defensoria, você fecha qualquer acordo, da forma que seja melhor para as duas partes. Os dois saem de acordo com aquilo que foi decidido. Se for judicializado, um irá automaticamente ganhar enquanto o outro perde. Além disso, na Defensoria o acordo extrajudicial sai na hora”, explica a defensora.

Ação em Coari também teve atendimento aos presos

No último dia 11, em visita à Unidade Prisional de Coari (UPC), a Defensoria Pública do Estado revisou a situação judicial dos 97 detentos da penitenciária. Além de realizar atendimento jurídico, os defensores públicos inspecionaram a UPC e conversaram com os presos sobre a infraestrutura do presídio.

“Antes de vir a Coari, nós criamos um grupo de trabalho para verificar o caso de cada preso. Nós informamos a eles sobre o andamento dos processos e, a partir de agora, vamos fazer as devidas petições”, ressalta o defensor público Rodolfo Lobo.

Presos que, apesar de possuírem advogado no processo, solicitaram o atendimento da Defensoria na UPC, também foram assistidos pelos defensores. “Eles também terão a situação jurídica analisada pela Defensoria. Além disso, diante das reclamações dos detentos sobre infraestrutura da unidade prisional, vamos oficiar as secretarias municipais de Saúde e Assistência Social para que atendam os presos”, afirma a defensora Karol Santos.

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