O nosso segundo causo pedagógico é este: o professor que desmascarou o prefeito. Depois que o professor João da Silva* conseguiu receber ajuda do seu filho adolescente para ligar o computador, ele partiu para ministrar a sua primeira aula online. Antes, porém, o seu filho lhe disse: – Papai, olhe aqui – disse apontando para a tela do seu celular. – O prefeito está dando uma entrevista. Ele está falando sobre à volta as aulas no município, veja!

Diante das câmaras de dezenas de veículos de comunicação e um batalhão de repórteres, o prefeito discursava: – O município está preparado para encarar essa pandemia. Quanto à educação, as aulas continuarão online. Só esse mês à Prefeitura capacitou mais de 33 mil professores. Temos os melhores e os mais preparados professores do Brasil.

– Mas que cara de pau. Eu sou professor e não recebi capacitação nenhuma. – Ele está falando assim porque quer se reeleger papai. Todo político é assim. – Você é testemunha do que eu estou dizendo filho. Eu não sei nem ligar o computador. Como é que eu vou dar aula online? E assim como eu, tenho certeza, milhares de professores também não receberam formação nenhuma. Tudo balela desse prefeito sem vergonha, cara de pau.

O prefeito continuava com o seu discurso demagogo e a cada pausa que fazia para tomar água, os seus capangas, ou simplesmente, os “lambe ovo”, batiam palmas e ainda gritavam: “mito”, “mito”, “mito”.

– Sou a favor do lockdown por entender que isso pode, realmente, acabar de vez com essa ameaça de segunda onda, que seria catastrófica para a nossa cidade. Agora, o município não detém força policial para fazer valer as medidas e, por isso, sugerir uma parceria com o governo do Estado. Propus ao governador que façamos juntos. Pode parecer desagradável, mas estou preocupado em salvar vidas.

– Papai aqui tem um link que se o senhor quiser pode fazer uma pergunta para o prefeito. – Há eu quero! Como é que faz? – Vou colocar o senhor para falar com ele, só um instantinho!

Enquanto o professor João pensava no que ia dizer, os assessores do prefeito informavam que ele tinha que responder algumas perguntas dos telespectadores. – Pronto pai, é aqui. Fale com o prefeito. Cuidado com o que o senhor vai falar. – Onde é que fala? Cadê o prefeito que eu não estou vendo? – É aqui pai. O senhor já está ao vivo. Pode fazer à sua pergunta ao prefeito.

– Para que serve um prefeito? – O senhor já pode fazer a sua pergunta ao prefeito. – disse um dos assessores de comunicação do prefeito. – Essa é a minha pergunta: para que serve um prefeito? – Ora cidadão… – Não, deixa que eu respondo – disse o prefeito. E voltando-se para a câmara de onde falava o professor João, o prefeito disse: – Para que serve um prefeito, um governador, um presidente se não para defender os interesses da população. Se a população acabar não há necessidade de reis, de primeiros-ministros… E todos os que estavam ao seu redor voltaram a gritar: “mito”, “mito”, “mito” …

– Mas como o senhor fala bonito. No entanto vou lhe contar uma história. Um dia a Verdade e a Mentira se encontraram. A mentira disse: – bom dia dona verdade. A verdade tentou entender se era real aquele bom dia. Olhou para o horizonte e não viu nuvem chegando. O céu estava limpo e claro. E vendo que parecia ser realmente um dia lindo respondeu para a Mentira: – Bom dia dona mentira. – Está muito quente hoje, bom para um banho de rio – disse a Mentira.

– Sabe o que aconteceu senhor prefeito? A mentira tirou a roupa e se jogou na água. – Venha a água está ótima – disse a Mentira. Quando a Verdade tirou a roupa e entrou no rio, a Mentira saiu da água e vestiu as roupas da Verdade. Diante daquela situação, a Verdade se recusou a vestir as roupas da Mentira e sem nenhuma vergonha saiu sem roupa pelas ruas. – E o que eu tenho a ver com isso professor João? – perguntou o prefeito. – O senhor não sabe?

O professor João respirou fundo, olhou nos olhos do prefeito e disse: – Eu sou a Verdade (todos os professores são!) e o Senhor é a Mentira (todos os políticos são!). O senhor disse que capacitou todos os professores e eu sendo professor não recebi capacitação nenhuma. A função de um prefeito é administrar bem os recursos da cidade, não roubar, não desviar o dinheiro da educação, da merenda escolar… Enfim, senhor prefeito, aos olhos dos outros é mais fácil aceitar a Mentira vestida de Verdade do que a Verdade nua e crua.

Você sabe o que aconteceu com o professor João? Não? Então aguarde o próximo causo pedagógico que eu vou lhe contar.

*Nomes fictícios, pessoas reais.

Luís Lemos

Filósofo, professor universitário e escritor, autor do livro: “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas”.
Instagram: @professorluislemos
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