Autoridades chinesas detiveram a jornalista australiana Cheng Lei e a estão mantendo presa em Pequim sem formalizar qualquer acusação, disse a ministra das Relações Exteriores da Austrália, Marise Payne, na segunda-feira (31).
A detenção é um novo capítulo no histórico recente de tensões entre os dois países, que aumentaram quando o governo australiano pediu, em abril, uma investigação internacional sobre as origens do coronavírus e sobre a resposta inicial de Pequim à pandemia.
Desde então, a China reagiu com medidas que afetam a economia australiana, como a suspensão das importações de carne bovina e a aplicação de tarifas mais pesadas a outros produtos.
Ainda não foi confirmada, entretanto, a possível relação entre a prisão da apresentadora e as divergências entre os dois países. Até o momento, segundo a ministra Payne, sequer foi apresentada uma acusação formal contra Cheng.
“O processo dentro do sistema chinês não exige a apresentação de acusações neste momento, mas continuaremos buscando informações sobre isso e sobre por quanto tempo ela pode ser detida sem que as acusações sejam feitas”, disse Payne em entrevista à rádio australiana 2GB.
De acordo com um comunicado do ministério, o governo da Austrália recebeu uma notificação formal das autoridades chinesas sobre a prisão de Cheng em 14 de agosto, e representantes de Canberra conversaram com ela por videoconferência na última quinta-feira (27).
A família da apresentadora também divulgou um comunicado em que afirma estar em “consulta direta” com o governo australiano.
“Estamos fazendo tudo o que podemos como família para apoiar Cheng Lei. Na China, o devido processo será observado, e esperamos uma conclusão satisfatória e oportuna para o assunto”, diz o texto.
Cidadã australiana, Cheng trabalha em Pequim desde 2012 como jornalista especializada em economia e era uma das principais apresentadoras da emissora CGTN, uma afiliada internacional da TV estatal chinesa CCTV.
A emissora removeu todas as referências a Cheng de seu site e de suas redes sociais, de acordo com a CNN americana.
“Eu a conheci e fui entrevistado por ela enquanto estava no exterior”, disse Simon Birmingham, ministro do Comércio australiano, em entrevista à rádio ABC.
“Sinto pela família dele neste momento, e é por isso que faremos o que pudermos para ajudá-la, como faríamos e faremos com qualquer australiano nessas circunstâncias.”
De acordo com Geoff Raby, ex-embaixador da Austrália em Pequim, reportagens de negócios geralmente não são vistas como politicamente delicadas na China. Ele classificou Cheng como uma “amiga de longa data” e disse estar surpreso com sua detenção.
“Ela tinha certo ceticismo em relação a alguns meios de comunicação chineses, mas era igualmente forte em argumentar a favor da China se alguma reportagem estrangeira descaracterizasse o país ou não fosse baseada em fatos”, disse Raby à agência de notícias Reuters.
O coordenador do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) na Ásia, Steven Butler, pediu que Cheng seja libertada se não houver alguma acusação que justifique sua prisão.
“A China —número 1 em prisão de jornalistas no mundo— deve deixar claro se a detenção de Cheng tem algo a ver com seu trabalho na mídia.”
Até a manhã desta terça-feira (1º), horário de Brasília, autoridades chinesas não haviam divulgado novas informações sobre a apresentadora australiana.
Em uma entrevista coletiva em Pequim, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, recusou-se a comentar detalhes do caso de Cheng, mas disse que o país agirá de acordo com a lei.
“Valorizamos as relações China-Austrália, mas, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de relações bilaterais requer esforços conjuntos de ambos os lados”, disse. (Folha de S.Paulo)