Penso nos estragos feitos pela pandemia ao longo de quase dois anos e me dou conta de como ela foi (e continua sendo) devastadora. Perdi amigos, levados pela inclemência do vírus em si mesmo ou por terem tido pioradas as condições de doenças já existentes. Eu mesmo me vi numa roda viva: primeiro, afastado dos netos, era tomado pela melancolia da saudade; depois, tendo contraído a doença e devidamente imunizado, pude restaurar o convívio com as pequeninas, mas já então presa de irreprimível ansiedade.

Fui à cata de auxílio profissional. Seria tolice tentar esconder esse fato. Afinal de contas ninguém pede para ficar doente e, uma vez constatada a moléstia, a única via sensata é a procura do médico capaz de driblar os efeitos do mal. Assim vou levando a existência, ansioso pelo dia em que possamos todos dizer que a normalidade se restaurou, coisa que parece distante e inatingível. Com efeito, se em alguns pontos o vírus ´se retrai, em outros se apresenta com nova roupagem, o que só faz redobrar o medo e a perplexidade. Como enfrentar as novas cepas? Perguntam-se autoridades médicas, ainda confusas com as matreirices da pandemia.

Só quem não manifesta nenhuma preocupação com nada disse é o Bolsonaro que continua, lépido e fagueiro, a fazer pouco caso do vírus, redobrando sua postura antivacina e insistindo em recomendar medicamentos rejeitados pela comunidade científica.

É claro que reconheço e respeito o direito de qualquer cidadão de adotar, diante da doença, a atitude que lhe parecer a mais acertada. Mas quando se tem a responsabilidade de comandar um país de mais de duzentos milhões de habitantes, essa faculdade individual sofre profundas restrições, cedendo diante da necessidade de dar exemplo que contribua para estabelecer o melhor caminho para a sociedade.

Dá-se, portanto, que, quando Bolsonaro debocha da vacina e dos seus 0efeitos, não pode alegar que está agindo nos limites da cidadania. Muito ao contrário, em razão da liderança que inevitavelmente um presidente exerce, está ele a induzir milhares de pessoas à adoção de uma postura de todo em todo equivocada no que diz respeito à busca de soluções para o problema

Tudo isso adquire tonalidades surreais que tornam o quadro quase inacreditável. Por que (tem-se que perguntar) Bolsonaro age dessa forma? Não me venham dizer que é por ser ele um homem de direita. Não cometeria eu a besteira de pensar que na direita só existem idiotas. As divergências de posições não teriam o condão de me afastar do bom senso, radicalizando posturas por mero diletantismo. Prefiro ficar com a hipótese de que essa birra bolsonarista decorre mais do despreparo geral demonstrado pelo presidente no trato com a coisa pública.

Oriundo do baixo claro da Câmara Federal, Bolsonaro parece, até hoje, deslumbrado com a presidência da República, que lhe caiu no colo por força dos erros primários das administrações petistas. Para ele foi um novo brinquedo, nunca sonhado nem pretendido, mas de indiscutíveis atrativos. Ora, sem saber como manusear corretamente o inesperado brinquedo, as consequências estão aí à vista de todos: inflação quase fora de controle, mais de seiscentos mil mortos pelo corona, a garimpagem desenfreada na região amazônica, sancionada e incentivada pelo general Augusto Heleno, espécie de faz-tudo do Planalto.

Felizmente está no início a corrida eleitoral. A princípio polarizada, acredito que as vias opcionais se abrirão no decorrer do processo. O que é um lenitivo porque mais quatro anos dessas barbaridades bolsonaristas é uma possiblidade que inspira horror só de nela pensar.

Está na hora de mudar.

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