Enquanto as ações da Méliuz (CASH3) derretiam na Bolsa, perdendo mais de 70% do valor em seis meses, seus controladores venderam mais de 5 milhões de papéis.

Documentos aos quais o site Monitor do Mercado teve acesso mostram que as vendas começaram em outubro e seguiram até o fim do ano.

A empresa de cashback (devolução de parte do dinheiro de compras) estreou na Bolsa em novembro de 2020, quando levantou R$ 661 milhões em sua oferta inicial (IPO). Deste valor, R$ 366 milhões seriam destinados ao caixa da companhia.

Por oito meses de lua de mel, tiveram seguidas altas e atingiram seu ápice em julho de 2021, quando chegaram a custar mais de seis vezes o preço da estreia.

O pico se deu justamente quando a empresa fez uma segunda oferta de ações (chamada de follow on), levantando mais R$ 1,155 bilhão. Nesse caso, R$ 427,5 milhões iriam direto para o caixa.

De lá para cá, o gráfico foi ladeira abaixo. Já em queda, a empresa desdobrou suas ações: cada papel CASH3 virou seis. A ideia, diz a companhia, foi tornar o papel “mais acessível aos investidores”. Mas o movimento não trouxe muitos novos interessados e a depreciação seguiu acentuada.

Foi em outubro, quando as ações já tinham perdido 65% do preço em relação a julho, que os controladores da Méliuz começaram a se desfazer delas. Naquele mês, houve uma doação de 4,2 milhões de papéis e duas vendas que somaram quase 1 milhão de ações —rendendo pouco mais de R$ 4 milhões a um acionista controlador.

Dois meses depois, os papéis continuavam a cair e um baque ainda maior: uma venda de 4,4 milhões de ações, atingindo o valor de R$ 13,7 milhões, por parte de controladores da empresa.

Nos documentos enviados à CVM, reportando as vendas, não consta quem são os vendedores (atualmente, são quatro acionistas controladores da empresa). E não é isso que importa.

Levando em conta que, nos últimos 15 meses, a Méliuz levantou mais de R$ 1,8 bilhão no mercado, sendo mais quase R$ 800 milhões para engordar o caixa, é razoável descartar qualquer necessidade de liquidez para justificar as graúdas vendas.

O problema de uma movimentação dessa é a sinalização para o mercado de que nem os principais acionistas da empresa acreditam em seu potencial de recuperação. E olha que é uma empresa que atraiu investidores imponentes, como o famigerado Daniel Dantas.

Questionada pelo Monitor do Mercado, a Méliuz afirma que as vendas foram feitas por motivos estritamente pessoais e garante que as ações não saíram do bolso do presidente-executivo nem do presidente do conselho de administração da empresa.

O desembarque se dar logo após os investidores terem sido chamados a colocar mais dinheiro, no follow on do meio do ano, tem impacto negativo na percepção de quem comprou a ideia.

A sinalização é ainda mais incômoda por ocorrer justamente quando a perspectiva de aumento da taxa de juros nos Estados Unidos tem castigado as ações de empresas de tecnologia e crescimento, como a Méliuz, privilegiando players estabelecidos, como grandes bancos, e quem lida com commodities.

A transparência nesse ponto é fundamental, e ela vai além da obrigatória comunicação das vendas à CVM. Como lembra Thiago Raymon, gestor da Titan Capital, controladores têm acesso a informações privilegiadas, de forma que suas estratégias são sempre de interesse dos acionistas.

O consultor de investimentos Thiago Ribeiro aponta que, no fim do dia, eles são justamente as pessoas que, em tese, mais entendem da empresa.

Claro que isso não é algo a ser levado em consideração sozinho. É mais uma peça no complexo quebra-cabeça dos investimentos.

O Bank of America (BofA), por exemplo, acredita que os papéis hoje negociados a R$ 2,90 podem chegar a R$ 7,20. Os analistas do BTG Pactual e da XP recomendam também sua compra, com preços-alvo de R$ 6 e R$ 8, respectivamente, cada um com sua fundamentação.

O mais importante para o investidor é conhecer a pluralidade de ideias sobre a empresa para entender se ela é uma aposta condizente com os riscos que ele está disposto a correr. E é bom que ter certeza que os principais acionistas da empresa estão no mesmo barco. (Folha de S.Paulo)

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