A crise no Cáucaso escalou dramaticamente nesta segunda (28) e ganhou ares de conflito regional com a Turquia exigindo que a Armênia saia do território que disputa com o Azerbaijão.

Novos combates deixaram ao menos 70 mortos na região de Nagorno-Karabakh, um encrave de maioria armênia no Azerbaijão que tem aproximadamente duas vezes o tamanho do Distrito Federal.

O número de vítimas da nova rodada de conflito é incerto. A Armênia afirma que pelo menos 200 soldados azeris foram mortos desde o domingo (27). O governo autônomo de Karabakh fala em 90 mortes, e o Azerbaijão admitiu até 550 baixas, sem especificar quantos eram os feridos.

Há, segundo os dois governos, cerca de 300 feridos até aqui. De acordo com os relatos disponíveis, estão sendo empregados armamentos pesados: tanques, blindados, artilharia, sistemas antiaéreos e aviação.

Os azeris afirmam ter destruído 24 tanques, 8 peças de artilharia e 18 drones. Já os armênios alegam ter inutilizado 36 tanques, 27 drones e 4 helicópteros dos rivais.

“Quando a Armênia deixar o território que ocupa, a região encontrará paz e harmonia novamente”, disse em um evento na segunda o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.

Ancara tem interesses históricos na região e é aliada dos azeris, povo majoritariamente muçulmano. Além disso, o grande polo de petróleo e gás do Azerbaijão fornece 5% dos hidrocarbonetos consumidos pela Europa passando pela Turquia, o que gera uma implicação estratégica subsidiária do conflito.

Já os armênios são protegidos pela Rússia, o que gera mais um ponto de atrito entre Moscou e Erdogan. Os países são parceiros em projetos energéticos, mas já se estranharam ao apoiar lados opostos nas guerras civis da Síria e da Líbia. Além do mais, a Turquia é membro da Otan, a aliança militar ocidental que é a adversária existencial da Rússia.

“O papel da Turquia na crise é claríssimo. Me parece que Erdogan precisa de uma causa, já que sua política na Líbia e na Síria não levou a lugar algum”, afirma Ruslan Pukhov, diretor do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias, de Moscou.

Pukhov, assim como a maioria dos especialistas na região, são unânimes em apontar Baku como responsável pelas hostilidades deste ano.

Ele crê que o mesmo se aplica ao governo em Baku, que iniciou as provocações fronteiriças. “Nas duas últimas semanas, eles fizeram exercícios militares com os turcos e mandaram soldados para os limites de Karabakh. Em 2016, no último grande conflito, a movimentação foi quase secreta”, afirmou.

Para Pukhov, isso indica uma demonstração política. “O país está sofrendo com a queda nos preços do petróleo e com o coronavírus. Uma guerra sempre distrai e une o povo”, afirma.

A fala de Erdogan contrasta com a do Kremlin, onde a ordem é pedir para que ambos os lados se acalmem. O presidente Vladimir Putin, contudo, conversou no domingo com o premiê armênio, Nikol Pashinyan.

A frieza oficial da Rússia tem outras explicações também. O antecessor do primeiro-ministro, Serzh Sargsyan, era amigo próximo do líder russo e foi derrubado em uma série de protestos em 2018. Se Pashinyan não é um adversário do Kremlin, não é o amigo mais próximo também.

Mas a relação pesa, e a Rússia considera o Cáucaso uma de suas prioridades estratégicas. Os russos mantêm cerca de 3.000 soldados em uma base militar perto da capital da Armênia, Ierevan, e são fornecedores de material bélico para o aliado.

Pukhov afirma que só há risco de uma intervenção militar russa caso a Armênia tenha suas fronteiras atacadas —ambos os países consideram Karabakh um território autônomo.

A disputa em Nagorno-Karabakh (Planalto ou Alto Karabakh) é um resquício da dissolução da União Soviética. Após a criação do império comunista em 1922, a região ganhou autonomia, mas todos os envolvidos respondiam a Moscou.

Com o ocaso do regime, em 1988, um movimento de independência tomou corpo, e de 1992 a 1994 uma guerra foi travada entre armênios e azeris, matando cerca de 17 mil pessoas.

O conflito ficou congelado, teoricamente supervisionado pelo chamado grupo de Minsk (Rússia, França e Estados Unidos), com Nagorno-Karabakh autônoma e sete outros distritos em torno do território sob controle militar armênio.

Erdogan denunciou nesta segunda o grupo como ineficaz, explicitando seu lado na disputa. Seu ministro da Defesa, Hulusi Akar, foi além e disse que era hora de Ierevan retirar “seus mercenários” da região, que na prática é autônoma —se autodenomina República de Artsakh.

O Parlamento da Armênia afirmou que Baku promove um “ataque militar de grande escala” com apoio turco, o que Ancara não negou. “A Turquia segue apoiando o Azerbaijão com todos os recursos”, afirmou Erdogan.

Os armênios afirmaram, por sua vez, que poderão pedir ajuda militar a Putin. “Se houver necessidade, vamos pedir. Acho que hoje não precisamos de forças adicionais”, disse o embaixador do país em Moscou, Vardan Toganyan, em entrevista à rádio Govorit Moskva.

A atual rodada de tensão começou em julho, quando houve escaramuças que deixaram mortos dos dois lados. Os russos atuaram com coerção naquele momento, fazendo uma megamobilização militar de 150 mil homens na região do Cáucaso.

Outros 80 mil militares acabaram de fazer um grande exercício na região, que acabou no fim de semana. A Armênia participou das manobras, enquanto o Azerbaijão apenas enviou observadores.

Os azeris negam que a Turquia esteja participando diretamente dos combates. O Ministério da Defesa afirmou que foram ocupadas posições perto da vila de Talish, após ataques aéreos e com mísseis. (Folha de S.Paulo)

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