Estou de volta. Durante minha ausência perdi dois amigos, levados pela pandemia, e tive notícia da partida de outras pessoas conhecidas, todas engolfadas pelo mesmo furacão. Por isso, retorno triste. Nem o fato de ter sido vacinado consegue sufocar a dor da perda. Mesmo porque a própria vacina ainda é cercada de dúvidas e incertezas, o que permite coloca-la na categoria de “melhor do que nada”. Resta esperar que seja efetiva sua proteção, a fim de que possamos vislumbrar uma luz, ainda que tênue, no fim desse túnel sufocante e claustrofóbico que atravessamos.

De resto, a rotina do isolamento. Já agora estou a um mês de completar o primeiro ano de segregação, com todos os males que esse sacrifício impõe. Tive crises de ansiedade mais ou menos intensas, que foram debeladas com ajuda profissional. Mas, fazer o quê? O vírus já deixou bem claro que não está para brincadeiras e eu fico imaginando por qual razão tantas pessoas ainda não se deram conta disso, insistindo em levar a vida como se nada estivesse acontecendo.

Por exemplo: estava eu afastado quando um número considerável de pessoas foi para as ruas protestar contra medidas restritivas de circulação, impostas pelo governo do Estado. Entendo que algumas delas tenham necessidade de, até em nome da sobrevivência, desenvolver atividades externas. Mas é preciso ponderar que o poder público tem o dever de coibir o que, a seus olhos, possa significar ameaça à coletividade. Vale, ainda, ter em conta que, sabendo da antipatia das restrições, o governante, necessariamente político, só as adota em última análise, fazendo concessão ao inevitável.

No meu afastamento, ocorreu também o episódio das compras de alimentos para as Forças Armadas. Ficamos sabendo que a dieta de nossos soldados é baseada claramente no consumo de leite condensado, em quantidades capazes de satisfazer o apetite de qualquer criança sadia. Não tenho nada contra isso; afinal de contas, leite condensado é gostoso mesmo. O perigo está no exagero: a soldadesca pode adquirir o hábito de se lambuzar do leite e esquecer seus treinamentos bélicos, criando sérios riscos para os esquemas de defesa nacional.

Sobre o assunto, lamentável mesmo foi a postura do presidente da República. Indagado a respeito, mandou que o jornalista “enfiasse no rabo” a lata de leite. Convenhamos que essa não é uma linguagem condizente com a seriedade que o cargo exige. Bolsonaro já revelou, em várias oportunidades, que é um desbocado e de uma falta de educação comovente. Mas deveria buscar mecanismos de controlar sua língua quando fala em público, porque, afinal de contas, até crianças podem ouví-lo.

Mas parece que pouco se lhe dá. Como também pouco parece lhe interessar a condução do país durante a pandemia. Apesar dos milhões de brasileiros mortos, ele insiste em fazer cara de menosprezo para o vírus, comportando-se como criança emburrada, que vê a realidade, mas insiste em querer negá-la.

O pior é que os próceres políticos que devem e podem estruturar uma oposição séria e forte, preferem as discussões de caráter pessoal, esquecendo que as eleições presidenciais estão a menos de dois anos.

A formação de uma frente amplíssima de combate ao fascismo é dever de todo brasileiro comprometido com o regime democrático. Os nomes hão de surgir espontaneamente se essa frente cumprir um programa mínimo de esclarecimento das massas, dando-lhes a oportunidade de ver o desastre que tem sido o governo atual.

Um comportamento individualista agora pode comprometer todo esse trabalho e facilitar o flagelo de uma reeleição do capitão. Isso já seria demais. Mas o risco existe.

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