Felix Valois

Imagino-me em sala de aula, como aluno, e que recebo a seguinte tarefa do professor: “Defina, com apenas quatro palavras, o doutor Elson Rodrigues de Andrade”. Não haveria muito que hesitar. Poderia eu variar no adjetivo, buscando outros com sentido similar, mas fio que escreveria: “Era um homem correto”. Como poucos que conheci, acrescentaria se me fosse dada a chance. Sua morte, na última sexta-feira, me causou abalo porque perdi um amigo e um colega profissional da mais alta qualidade. E o pior: foi cedo demais, pois em termos etários seria mais do que natural esperar que ele permanecesse conosco por vários tempos ainda, o que, se me permite o leitor uma digressão supostamente filosófica, indica ser o critério de qualidade o menos usado nessa questão de ficar ou partir.

Não fora essa a dura realidade, Elson ainda poderia continuar a dar lições de vida que eu, enfaticamente e se minha opinião tem alguma validade, recomendaria a todos os jovens que, num momento de lucidez ou de delírio, optarem pela advocacia. Que me seja perdoado esse confronto dialético entre o bom senso e a loucura, no assunto de que se cuida. Mas, com quase cinco décadas de exercício na profissão, fico a me perguntar, não poucas vezes, se é verdadeiramente sensato entregar-se a um mister que exige tanta abnegação e desprendimento, tudo aliado a uma superdose de paciência, para aguentar desde as exigências do cliente aos intrincados meandros de tramitação processual, num sistema defasado sob todos os sentidos.

Com Elson Andrade parecia que essas dificuldades eram meramente superficiais, tal a naturalidade e a placidez com que conduzia seu barco profissional. Adentrar seu escritório era em si mesmo relaxante e agradável. Música clássica da melhor qualidade (e num tom civilizado) ecoava ao fundo, enquanto a simetria na disposição do mobiliário e as estantes repletas de calhamaços da ciência jurídica, infundiam a certeza de que as coisas ali seriam levadas com ordem e método. E não era de outra forma. Fui até lá inúmeras vezes à cata de ajuda no complicado ramo do direito administrativo em que, analfabeto eu, via nele e no professor Afrânio de Sá, expoentes que conseguiram assimilar com perfeição os ensinamentos do saudoso mestre Aderson Pereira Dutra, na velha Jaqueira da Praça dos Remédios.

E nunca me decepcionei quando empreendi essas buscas. Gentil e afável, Elson discorria com objetividade sobre o tema da consulta, conseguindo fazer com que até este velho criminalista compreendesse noções fundamentais, mas complicadas, daquele setor do direito, onde tem aplicação perfeita, com as adaptações necessárias, a certeza bíblica de que pode até ocorrer de serem muitos os chamados, mas poucos são os escolhidos.

Mas isso não era de estranhar porque o meu querido e hoje ausente colega não brilhou apenas nos parlatórios dos tribunais, nem através das peças que redigia com correção impecável. Também no magistério superior, seu talento e sua formação profissional fizeram dele um professor do mais alto nível, como unanimemente reconhecido por quantos tiveram a felicidade de lhe assistir às aulas, todas proferidas com erudição e didática, como se há de esperar de quem se propõe a transmitir à juventude todo esse emaranhando que forma um sistema jurídico.

Falei eu de “correção impecável”. E devo insistir. Elson dominava a língua portuguesa, tendo com ela invejável intimidade. Nada que implicasse em rebuscamento de linguagem ou afetação de falsa cultura, com citações e transcrições as mais das vezes desnecessárias. Nada disso. Seus trabalhos e petições continham o essencial, numa perfeita sequência lógica, partindo do fato, invocando a norma jurídica aplicável e demonstrando a adequação do primeiro à última, de tal maneira que o raciocínio se desenvolvia qual um silogismo. Eram textos profundos, mas perfeitamente acessíveis à compreensão, mesmo que mediana.

Não posso terminar sem falar da ética. Essa palavra e seu conceito e corolários têm sido, infelizmente, muito infelizmente, relegados a segundo plano neste universo globalizado. Isso, afirmo com a mais absoluta e inabalável convicção, não ocorreu com Elson Rodrigues de Andrade. Nunca dele se soube a mais ínfima transgressão ao rigoroso Código de Ética que norteia a advocacia, da mesma forma como em sua vida pública e particular era incapaz de um comportamento que violasse o código moral não escrito que pauta a vida de todo homem de bem.

Mas ele se foi. Só nos resta sentir saudades e compartilhar o sofrimento com dona Sandra, sua esposa, e com Elson Junior e Sandreia, seus filhos. Se nada pode preencher a ausência, resta-lhes, resta a todos nós, a certeza de que convivemos com um homem que soube honrar sua família e que, no plano profissional, se agigantou a tal ponto que seu nome haverá de ser tido como paradigma para quantos compreendam o verdadeiro sentido da advocacia.

Você nos fará muita falta, Elson Rodrigues de Andrade.

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