Natural de Cruzeiro do Sul (AC), o rezador José Abid de Almeida Neto, o Ysmiruá, foi até Santa Catarina para promover a cura por meio do kambô, toxina extraída de uma perereca amazônica que tem efeitos alucinógenos. Durou pouco tempo: no último sábado (9), o Ibama e a a Polícia Militar apreenderam a substância, assim como artefatos feitos com partes de animais silvestres.

Ysmiruá, como prefere ser chamado, é um dos vários acreanos que percorrem o Brasil e o mundo aplicando a chamada “vacina de sapo” por meio de perfurações na pele.

“São várias pessoas. Eu tenho um conhecido que aplica na Tailândia. Ele pega os palitos [com veneno], põe no bolso e leva”, afirma o biólogo Moisés Barbosa de Souza, professor titular da Universidade Federal do Acre (AC).

Propagandear o procedimento, de origem indígena, como fonte de cura é proibido desde 2004 pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O Brasil já teve ao menos um caso de morte registrado.

O caso fatal por kambô ocorreu em 2008, em Pindamonhangaba (SP). Um homem de 52 anos morreu logo após a aplicação da toxina por um curandeiro.

Souza afirma que a toxina não tem eficácia cientificamente comprovada. “Sabe-se que é fungicida, bactericida e combate protozoários, mas não tem nenhum estudo que determina a dosagem e para que serve.”

Fora do Acre, Ysmiruá se apresenta como membro da etnia unicauá, que não existe. Em Santa Catarina, oferecia uma aplicação de kambô por R$ 75 antes de ter o material confiscado em Concórdia. É o segundo caso de apreensão no país —a primeira ocorreu neste ano, em Florianópolis.

“A minha intenção é levar cura pro mundo de hoje, que está carente. Tenho muitos pacientes que estão se desintoxicando das drogas, saindo da depressão, do estresse diário. Eu tenho consciência de que é proibido, mas é proibido para quem não sabe o que faz e para quem comercializa medicina. A minha intenção não é essa”, disse Ysmiruá, 30, à Folha, por telefone.

Ele afirma que aprendeu a aplicar o kambô com povos indígenas do Acre. Sobre a sua ancestralidade, disse que “a minha bisavó é indígena. E eu estou indo pro Acre agora pegar a autorização para representar o meu povo.”

Sobre a “tribo unicauá”, que aparece em sua página de Facebook, o rezador afirma que é uma má interpretação e que se trata de um grupo de estudos ao qual pertence.

A toxina é extraída das costas do kambô (Phyllomedusa bicolor) e não ocasiona a sua morte —além disso, segundo Souza, a perereca tem ampla distribuição pela Amazônia e, portanto, não corre risco de extinção.

Após a extração, a toxina, de consistência pastosa, é aplicada em pontos abertos na pele. A dosagem varia de acordo com o peso e o tempo de uso.

Este repórter experimentou o kambô em uma terra indígena no Acre, por meio de um pajé da etnia katukina.

Logo após a aplicação, senti uma grande debilidade. Tive de deitar no chão e mal pude abrir os olhos. O coração batia mais forte, e o corpo inteiro pulsava.

Essa sensação terminou após alguns minutos quando o pajé, com a mão molhada, retirou a toxina dos pontos abertos no braço. A cerimônia foi realizada de madrugada e próxima de um igarapé, onde entrei para esfriar o corpo aquecido pela toxina. Durante o restante do dia, me senti mais disposto. (Folha de S.Paulo)

Artigo anteriorCalifórnia: ataque em escola deixou 2 mortos e ao menos 3 feridos
Próximo artigoPolicia Militar detém mulher suspeita de contrabandear cigarros de origem estrangeira em Humaitá