A manutenção injusta de prisão viola bens integrantes da personalidade do indivíduo, tal como a liberdade de ir e vir e a integridade psicofísica. Nesse caso, o Estado é responsável pelos danos causados por seus agentes, ainda que sem dolo ou culpa, visto que a responsabilidade é objetiva.

Com base nesse entendimento, a juíza Laís Helena de Carvalho Scamilla Jardim, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São José dos Campos condenou a Fazenda Pública do Estado de São Paulo a indenizar dois primos em R$ 50 mil, cada um, devido a erro judiciário que lhes acarretou 205 dias de cárcere.

O reconhecimento de um dos jovens sem as formalidades legais foi a única prova que embasou a prisão da dupla por dois roubos. Posteriormente, a perícia atestou a inocência dos rapazes, que foram absolvidos.

De acordo com a juíza, a prisão dos jovens por mais de seis meses, para depois serem absolvidos por inocência comprovada, “é causa inegável de dano moral”, principalmente devido às péssimas condições do sistema prisional brasileiro.

A Fazenda Pública vai recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a alegação de que a prisão dos acusados foi legal. Na ação cível por erro judiciário, Pietro de Oliveira Bueno, de 24 anos, e Carlos Pietro Gomes de Souza, de 23, foram representados pela advogada Cely Veloso Fontes. Ela também vai apelar para elevar a indenização.

“A sentença foi extremamente bem fundamentada. Apenas o quantum (valor arbitrado) é que, ao nosso ver, deveria ter se adequado à gravidade da ofensa”, pondera Cely. A advogada requereu indenização mínima de R$ 300 mil para cada cliente, porque a prisão indevida provocou “angústia” que atingiu os rapazes e se estendeu às suas famílias.

Ainda conforme a advogada, o valor fixado pela magistrada, “em decorrência de uma injustiça perpetrada pelos representantes do Estado que ocasionou verdadeiro inferno na vida de dois jovens, lançados ao cárcere por seis meses, nem de longe servirá para recompor o status quo”.

A elevação do valor da indenização, argumenta Cely, “amenizaria o sofrimento imposto pela prisão em um sistema carcerário desumano”. Simultaneamente, seria “fator de desestímulo” ao ente público, contribuindo para evitar a repetição de outras injustiças do gênero.
Perícia inocenta

Histórico do caso
Não se pode sequer afirmar que Pietro e Carlos estavam no lugar errado e na hora errada. Sem portar nada de irregular, os primos apenas caminhavam por uma rua na noite de 27 de fevereiro de 2018, quando policiais militares os detiveram, os fotografaram pelo celular e enviaram as imagens por meio do WhatsApp para colegas de outra viatura.

Os PMs que receberam as fotos as exibiram para uma mulher. Ela reconheceu um jovem como um dos dois que roubaram o seu Honda Fit. A partir daí, a dupla também foi vinculada a uma tentativa de roubo cometida minutos depois em outro local contra outra mulher. Autuados em flagrante, os jovens tiveram a prisão convertida em preventiva.

O juízo da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos concedeu a liberdade provisória dos réus em 20 de setembro de 2018. Em 8 de novembro do mesmo ano, os primos foram absolvidos sob a fundamentação de ter ficado provado que eles não praticaram os dois roubos (consumado e tentado).

Segundo a juíza Laís Jardim, responsável por julgar a ação cível no último dia 30, a prisão cautelar sucedida de absolvição criminal por falta de prova ou por ausência de comprovação de que o réu concorreu para a infração penal consiste em exercício regular dos poderes de Estado e não gera indenização por dano moral.

Contudo, no caso dos primos, eles foram absolvidos em processo criminal por ter ficado provado que não praticaram os delitos narrados na denúncia do Ministério Público. A inocência dos réus ficou evidenciada em laudo realizado pelo perito judicial Francisco Martori, contratado pela defesa dos acusados.

O estudo de Martori foi endossado por uma comissão de experts do Instituto de Criminalística (IC). O perito judicial atestou que os primos não são os mesmos homens captados por câmera de segurança existente no local do roubo do carro por “absoluta divergência de dimensão corporal”.

Com base na altura da dona do veículo e nas estaturas dos réus (ambos com 1,74 m, conforme medição oficial feita ao darem entrada no presídio), Martori concluiu que os verdadeiros autores do delito, que aparecem na filmagem, têm 1,88 metro ou, no mínimo, 1,85 metro, considerada a margem de erro. (Consultor Jurídico)

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