Folha de S.Paulo – Em 1997, quando tinha 16 anos, Halim Flowers foi condenado à prisão perpétua por participar de um assalto. Seu cúmplice matou uma pessoa na ação. Em 2019, aos 39, foi solto —depois de uma eternidade que durou mais de duas décadas. Ele milita, agora, pela abolição do sistema carcerário.

Colocar pessoas atrás das grades por toda a sua vida, afinal, é uma maneira “primitiva, desumana e indiferente” de tratar a criminalidade e a desigualdade social, ele afirma em entrevista à Folha. Em especial, no caso de quem foi preso quando nem era adulto.

Flowers teria permanecido na cadeia se o governo local não tivesse modificado a lei em 2016, permitindo a soltura de detentos condenados quando ainda eram menores de idade. As condições: ter cumprido ao menos 20 anos da pena e ter comprovado a sua reabilitação.

A transformação de Flowers era visível. Ele publicou 11 livros enquanto estava preso, incluindo a coletânea de poemas “Unchained” (desacorrentado) e o guia de economia para afro-americanos “Niggernomics” (algo como “negreconomia”). Ele fundou em 2018 a produtora audiovisual Unchained Media Collective para que outros presos contem suas histórias.

Desde sua soltura, entrou para o coletivo Halcyon Arts Lab, que oferece bolsas para projetos artísticos com viés social. É ali que ele recebe a reportagem para falar sobre a prisão. Mostra poemas e uma fotografia sua pelado, em uma crítica à invisibilidade dos jovens detentos. 

A questão prisional é urgente nos EUA, o país com a maior população carcerária do mundo. Segundo o governo, 2,1 milhões de pessoas estavam presas em 2016 —um quinto do total de presos de todo o globo. Naquele ano, em terceiro lugar na lista, o Brasil tinha 726 mil presos.

Flowers não fala em reforma. Não quer consertar o sistema. Quer destruí-lo e inventar algo em seu lugar. “Prender pessoas não traz segurança”, diz. “Estive preso por 22 anos, mas ainda há violência em Washington.”

O Estado deveria, ele sugere, investir em programas sociais nos bairros periféricos (de onde vem) para os jovens.

“Não sei o que deveríamos construir no lugar das prisões”, diz “Mas somos um povo inovador. Inventamos carros, smartphones, redes sociais. Não acredito que não possamos criar uma alternativa.”

Nesse futuro ainda sem contornos claros, Flowers diz enxergar um papel central para a educação. Ele cita um dos livros que leu na prisão, uma compilação de cartas do escritor e ativista George Jackson redigidas na cadeia e publicadas em 1970. “

“Percebi que, mesmo de dentro da cadeia, eu poderia causar impacto no mundo.”

Em parceria com um amigo, que também estava preso, ele começou a escrever canções de rap. Migrou à literatura e, aos 19 anos, escreveu seus primeiros poemas. Criou, em 2015, a editora SATO (luta contra as probabilidades, na sigla em inglês).

Flowers se deu conta do tamanho de sua metamorfose quando assistiu, recentemente, ao documentário da HBO “Thug Life in DC” (vida de bandido em DC). Ele é um dos personagens daquele filme de 1998 —vencedor de um prêmio Emmy— em que narra, sem emoção, a sua participação no assalto que deixou uma pessoa morta.

“Percebi que, por falta de perspectivas, eu não enxergava meu próprio valor naquela época. Estava anestesiado quanto ao fato de que havia machucado outra pessoa e quanto à ideia de passar o resto da vida na cadeia.” Ele tem, agora, outra opinião.

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