O governo Jair Bolsonaro distribuiu 100.500 comprimidos de cloroquina nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), que está na linha de frente no atendimento à Covid-19 entre os povos indígenas. A informação consta de uma apresentação divulgada pelo ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, na última sexta-feira (24) e foi destacada no site De Olho nos Ruralistas.

No slide apresentado pelo coronel Elcio Franco, secretário-executivo da pasta, consta ainda que foram enviados aos distritos que cuidam da saúde dos povos indígenas outros 205.540 comprimidos de oseltavimir, conhecido pelo seu nome comercial – Tamiflu.

Segundo a Sociedade Brasileira de Infectologia, o Tamiflu tem uma eficiência menor ainda e um risco maior ainda no caso da Covid-19, embora seja recomendado — sem ênfase — para o combate à gripe.


 

Tamiflu

Conhecido pelo nome comercial tamiflu, o oseltavimir foi outro medicamento que ganhou destaque nominal na apresentação. No total, foram entregues no país 11,1 milhões de unidades da substância. A distribuição dos dois medicamentos não está em nenhum dos textos divulgados no site do ministério a respeito da entrevista.

As DSEIs receberam também 205.540 comprimidos do antiviral oseltamivir, conhecido pelo nome comercial Tamiflu, para a distribuição entre os povos originários. Segundo a Sociedade Brasileira de Infectologia, esse medicamento tem uma eficiência menor ainda e um risco maior ainda no caso da Covid-19, embora recomende — sem ênfase — para o combate à gripe.

Sem qualquer indicação de eficiência no tratamento da Covid-19 e com sérias ameaças à saúde no seu uso, a cloroquina teve sua indicação de uso suspensa, em junho, para pacientes da doença nos Estados Unidos. No Brasil, contrariando todas as evidências científicas, o medicamento continuou no imaginário do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores. E uma das medidas tomadas foi a distribuição dos comprimidos de cloroquina para os DSEIs.

Desde de maio, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) não recomenda o uso da substância para o tratamento, especialmente em casos ambulatoriais. Pesquisas divulgadas desde maio mostram que, além de não ter eficiência comprovada para o tratamento, o uso ambulatorial da cloroquina representa um risco à saúde. Um estudo publicado naquele mês pelo jornal científico The Lancet apontou um aumento da mortalidade entre os pacientes que receberam a substância, ligado principalmente a arritmias cardíacas.

Em comunidades que muitas vezes estão distantes de hospitais de alta complexidade e sem um acompanhamento médico específico, como é o caso das aldeias indígenas, o risco da utilização do medicamento pode ser ainda maior.

No início do mês, a Amazônia Real mostrou que uma missão chefiada por militares levou 66 mil comprimidos de cloroquina para as terras indígenas Yanomami e Raposa Serra do Sol, em Roraima. A chegada dos medicamentos ao estado ilustra a foto principal desta reportagem.

País tem estoque inútil de 4 milhões de comprimidos

A obsessão de Bolsonaro pelo medicamento, geralmente usado no tratamento da malária, causou um problema para o país. Segundo reportagem da Folha, o Brasil possui um estoque parado de 4 milhões de comprimidos de cloroquina, dos quais 2 milhões foram despejados em solo brasileiro por Donald Trump, semanas antes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos suspenderem o uso do medicamento para casos de Covid-19.

O rombo é ainda maior. O presidente também liberou R$ 1,5 milhão para o Laboratório de Química e Farmácia passar a produzir o medicamento, com insumos adquiridos da Índia. O gasto não havia sido aprovado pelo Ministério da Saúde.

 

O Ministério da Saúde também apresentou dados sobre a incidência da Covid-19 entre os povos originários muito menores do que os levantados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. A Apib registrou 18.260 casos confirmados e o ministério fala em 13.096. A distorção entre o número de mortes é ainda maior. São 570 indicados pela Apib e menos da metade, 247, conforme o ministério.

O problema não é isolado nem recente. O descaso do governo federal com a saúde indígena chegou ao Supremo Tribunal Federal no início do mês. Em liminar concedida em uma ação proposta pela Apib e pelos partidos PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT, o ministro Roberto Barroso determinou que o governo Bolsonaro teria de tomar cinco medidas para proteção dos povos indígenas.

Por conta da decisão, um comitê foi organizado para tratar do tema. Nesta semana, Barroso precisou voltar ao tema: nomeou um funcionário de seu gabinete e outro do Conselho Nacional de Justiça para acompanhar as reuniões entre os indígenas e o governo. O motivo foi que os indígenas informaram ao ministro terem sido humilhados na primeira reunião.

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