À convite da ONG Greepeace, o repórter Fabiano Maisonnave da Folha de S. Paulo, esteve em Tabatinga (AM) para apurar a situação dos indígenas durante a Covid-19 e recebeu relatos de negligência no único Hospital da cidade, o Hospital do Exército de Tabatinga. Indignado com a assistência médica, ele passou a aconselhar outros doentes indígenas a se tratar em casa, utilizando medicina tradicional.

“O erro foi ter levado o meu pai pro hospital. Se não tivesse levado, ele estava vivo. Todo dia esperava o avião vir. Estou com a minha mala arrumada desde o dia 3. Até hoje, o avião não veio, e o meu pai morreu no dia 14”, diz o líder kokama Edney Samias, em entrevista na comunidade Guadalupe, de casas erguidas sobre palafitas.

Em duas semanas, o líder perdeu oito parentes para a Covid-19, incluindo o pai e o avô, todos atendidos no hospital do Exército de Tabatinga, o único da cidade.

Um atrás do outro, fomos enterrando todo mundo. Eu nem descansava. Quando ia dormir, alguém ligava: ‘Morreu teu tio’. ‘Morreu teu avô’. Se morrer mais um kokama, a gente nem tem lágrima.”

Criança kokama na comunidade Guadalupe, em Tabatinga (AM) – Edmar Barros/Greenpeace

Segundo o relato de Edney, seu pai Guilherme Samias, 64 anos, constava no Sistema de Transferências de Emergências Reguladas (Sister), da Secretária de Saúde do Amazonas (Susam). Este sistema administra a remoção de pacientes a Manaus, e conforme a Susam informou à reportagem, a transferência foi pedida ao Hospital de Guarnição de Tabatinga, gerida pelo Exército, em 5 de maio.

Contudo, após o registro, não houve nova atualização sobre o estado de saúde do paciente. Segundo a Susam, devido a novos pedidos diários, a atualização “da evolução clínica é de suma importância para a avaliação dos pacientes a serem removidos para Manaus”.

Edney viu o pai vivo pela última vez em 3 de maio, quando ele deu entrada no hospital. “O ruim é que eles não dão um papel. É só palavra: o seu pai está assim, assim, assim. Muito friamente. Se eu questionava, eles já diziam que é hospital militar, que o Exército é que manda, que era um favor atender os índios, que não tem dinheiro pra índio. Eu não tinha nem por que reclamar se o hospital não é pra nós.”

Ação Civil Pública

O atendimento do hospital militar de Tabatinga foi alvo de uma recente ação civil pública protocolada pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Defensoria Pública da União (DPU) e pelo Ministério Público do Amazonas.

Povo mais atingido

A comunidade Guadalupe, com cerca de cem famílias, fica às margens do rio Solimões e é acessível por precárias palafitas de madeira. As casas são próximas umas das outras e, na cheia, pairam sobre um alagado. Dispõem de luz e água encanada, mas não de esgoto. A área é considerada de risco pela Defesa Civil.

Por não ser terra indígena, eles não têm atendimento médico da Sesai, que, segundo os kokamas, é melhor do que o oferecido na cidade. Outra queixa é que o hospital militar os classifica como pardos e não como indígenas.

Cacique da comunidade, Edmílson Kokama, 60, diz que ninguém morreu ali graças à orientação de não procurar atendimento médico. Sua mulher, Adelaide Gonçalves, 57, uma das que sabem preparar o remédio contra a Covid-19, lista os ingredientes: boldo, alho, limão, gengibre, jambu, andiroba, mel de abelha e aspirina. “Já salvou muita vida”, assegura.

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