Passado quase um ano desde o primeiro caso de covid-19 no Brasil, o debate em torno de remédios sem eficácia comprovada (ou já comprovadamente ineficazes) para a doença permanece aceso nas redes sociais e ganhou força nesta semana com um artigo internacional que aponta supostos benefícios da ivermectina. As informações são de R7.

O trabalho, divulgado em uma plataforma online e sem revisão de pares, sugere que o antiparasitário seria capaz de reduzir o risco de morte por covid-19 em até 75%.

Seria uma excelente notícia no momento em que o mundo registra mais de 14 mil óbitos pela doença em apenas um dia — somente no Brasil, são em média 1.000.

Entretanto, estudos precisam ser feitos de acordo com metodologias muito bem-estabelecidas, o que não ocorreu nesse artigo, explica Alexandre Naime Barbosa, médico infectologista e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu.

Ele ressalta que esse estudo é uma reunião de outros estudos prévios — chamado no meio acadêmico de meta-análise. Porém, foram usados artigos não foram publicados em revistas acadêmicas e nem revisados por pares, uma exigência para ter valor científico.

“Teria que observar a qualidade de cada estudo. Você nunca pode fazer uma meta-análise com estudos que não tiveram revisão e estudos que não têm um poder estatístico para dizer se uma estratégia tem ou não potencial benefício. […] Se você junta dados que são possivelmente falsos e não verídicos, você tem um resultado igual.”

Os próprios autores do artigo relatam que “muitos estudos que foram incluídos [na meta-análise] ainda não foram publicados ou revisados por pares”, o que deixa o trabalho “sujeito a questões confusas”.

Para chegar a conclusões fundamentadas a respeito da ivermectina ou de qualquer outra droga, é preciso separar as pessoas que vão recebê-la em dois grupos dentro do mesmo estudo, sendo que um toma o medicamento e outro toma placebo, sem que nenhum deles saiba o que está recebendo. Isto é o chamado duplo cego randomizado.

Somente após um período de avaliação — quando abrirem os dados de quem tomou o que — é que os pesquisadores poderão saber se houve menos incidência de covid-19, com qual dose, se afetou a letalidade, entre outras perguntas.

Até agora, não há no mundo um grande estudo sobre a ivermectina no tratamento ou prevenção da covid-19. É por esta razão que as entidades médicas e de saúde pública rejeitam a ideia de usá-la em qualquer circunstância nesta pandemia.

Porém, há nas redes sociais médicos que se sujeitam a prescrever não só a ivermectina, mas uma série de outras drogas, inclusive a hidroxicloroquina, que já foi estudada por cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e a conclusão foi de que é “inútil” contra covid-19.

No Ministério da Saúde, a médica Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde da pasta, assinou um ofício enviado à Prefeitura de Manaus, em que diz ser “inadmissível” o não uso da cloroquina em pacientes com covid-19.

Ela também organizou uma caravana de médicos, com despesas pagas com dinheiro do ministério, para visitar unidades básicas de saúde no município em defesa do medicamento.

Para Barbosa, há profissionais que não têm o rigor científico e acabam defendendo remédios que podem mais atrapalhar do que ajudar no enfrentamento da pandemia.

“Nem todo médico é cientista, nem todo médico exerce a profissão com julgamento científico na hora da sua conduta. Muito poucos médicos fazem suas condutas através da medicina baseada em evidência, que é um método científico para aplicação das condutas médicas.”

Ele acrescenta que o fato de tomar um medicamento como a ivermectina para prevenção, além do risco de efeitos adversos, há o risco da “falsa sensação de segurança”.

“O indivíduo que fica tomando essa medicação achando que está protegido, acaba usando menos máscara, se expondo mais. E como a medicação não protege, isso leva ele a um risco maior te ter covid e, além de tudo, de ter covid grave.”

Muitas pessoas têm tomado ivermectina como forma de prevenção, em curtos intervalos de tempo, sem acompanhamento médico, sem se atentar que o excesso de remédios pode causar hepatite medicamentosa. 

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