O desembargador João Alves da Silva, do Tribunal de Justiça da Paraíba, deu causa ganha a uma correntista do Bradesco, que entrou com ação judicial solicitando declaração de débito inexistente. É que o banco estava descontando parcelas de um empréstimo, cujo contrato não havia sido solicitado pela mulher. Agora, a instituição financeira deve indenizá-la em R$ 5 mil por danos morais e restituí-la com o dobro do valor do que foi debitado de sua conta.

O Bradesco alegou à Justiça que o contrato havia sido firmado dentro da regularidade. No entanto, não apresentou nenhum documento que comprovasse a solicitação do empréstimo, tampouco que a mulher teria recebido o montante em sua conta. “Pois tais razões, observa-se que a instituição financeira deixa de demonstrar que a operação bancária foi contratada de forma legal”, escreveu Alves da Silva em sua decisão. O desembargador explica ainda que o Código de Defesa do Consumidor define que cabe ao fornecedor provar que a alegação da consumidora é equivocada. 

Além disso, foi observado que a cliente teve seu nome incluído em sistema de inadimplência. O desembargador justifica que a negativação da autora do processo acarreta em prejuízos de imagem e de acesso a bens e serviços, sendo assim, caberia ao Bradesco indenizá-la pelo transtorno. “Não há como negar a existência da ofensa a que foi submetida a parte promovente, visto restar incontroverso que a negativação foi indevida, e aí se verifica também o “nexo de causalidade”, pois foi a conduta irresponsável do apelado que resultou o constrangimento suportado”, argumentou.

Cobrança indevida de dívida pode ser levada ao juizado especial cível

A advogada Lívia Gerasimczuk, membro da Comissão de Defesa do Direito do Consumidor da OAB de São Paulo, explica que esse tipo de ação pode ser protocolada no juizado especial cível, que trata de pequenas causas. Isso significa que, a depender do valor da causa, não são cobradas as custas do processo para quem deu entrada com a ação. Além disso, ela conta que cabe às instituições financeiras comprovarem a regularidade da dívida cobrada. Leia essas e outras dicas da advogada abaixo. 

A quem as clientes devem recorrer em situações como essa? 

LÍVIA GERASIMCZUK: Caso o consumidor não consiga resolver o problema diretamente com o fornecedor, uma das alternativas é recorrer aos órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, de sua cidade ou estado. O Procon é um órgão público de defesa do consumidor, que atua orientando a população sobre dúvidas de consumo e também reclamações. No entanto, ele funciona apenas em uma tentativa de acordo como intermediário entre o consumidor e a empresa. O Procon não pode representar o consumidor individualmente na Justiça. 

Se ainda assim o consumidor não conseguir resolver a sua situação, ele pode entrar com uma ação na Justiça. Especificamente neste caso, que há uma cobrança indevida, essa ação judicial discute uma suposta ocorrência de fraude em contrato de empréstimo consignado. A ação que deve ser apresentada na Justiça é uma ação declaratória de inexistência de débito, ou seja, uma ação que vai buscar comprovar que trata-se de um contrato de empréstimo que não foi celebrado pelo consumidor e sim por uma terceira pessoa. 

Isso é possível porque tem a súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça que prevê que as instituições financeiras devem ser responsáveis por danos causados aos consumidores em razão de fraude e delitos praticados por terceiros. O entendimento que tem sido adotado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelos tribunais estaduais é que a negativação do nome de forma indevida cabe indenização por danos morais. 

Como comprovar a inexistência da dívida?

LÍVIA GERASIMCZUK: Em uma ação na Justiça, a regra geral que é prevista no Código de Processo Civil, é que compete sempre ao autor da ação comprovar os fatos que estão previstos no seu pedido inicial. Quem tem o ônus da prova é o autor, então, ele tem que comprovar o que ele alega. Mas no caso de uma relação de consumo, o artigo sexto do Código de Defesa do Consumidor prevê que é um direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, através da inversão do ônus da prova. 

Portanto, o juiz pode aplicar esse instituto da inversão do ônus da prova, que exime o consumidor  de comprovar, neste caso, que ele não contratou um empréstimo consignado. Dessa forma, quem deve comprovar que o contrato foi celebrado com o titular da conta é a instituição financeira. Por ser um direito básico do consumidor, pode ser aplicada sempre que o juiz entender que as alegações do consumidor são verossímeis ou se o juiz identificar que ficaria difícil para o consumidor provar que ele tem razão, seja por uma dificuldade econômica, técnica ou de acesso à informação.

O consumidor, no caso de provar a inexistência da dívida, pode pedir na hora de entrar com ação na Justiça a inversão do ônus da prova. Apesar de o banco alegar que a consumidora foi beneficiada pelo empréstimo, o banco não conseguiu comprovar que foi realmente a consumidora quem celebrou esse contrato, tampouco que ela recebeu os valores na sua conta. Com isso, ficou comprovada a inexistência da dívida. 

De toda forma, é muito importante, mesmo que seja solicitada a inversão do ônus da prova, que o consumidor reúna os documentos relativos à questão, eventual troca de mensagens com o banco, dados que ela é beneficiária da conta, etc.  Vale destacar que a inversão do ônus da prova não é exclusiva a esse tipo de situação, mas pode ser aplicada em qualquer caso em que haja um problema de consumo. 

É recomendado que a cliente pague a dívida cobrada pela instituição financeira antes da conclusão do processo?

LÍVIA GERASIMCZUK: O consumidor pode pedir na petição inicial uma liminar de suspensão da cobrança indevida até que haja uma decisão definitiva. Então, se isso for concedido pelo juiz, o consumidor não pode ser cobrado desse débito ou negativado  durante o curso do processo.  Essa é uma forma de resolver na urgência uma situação que pode prejudicar o consumidor em outras áreas de sua vida. 

Uma outra coisa que acontece em muitos casos é que essa cobrança indevida é debitada na conta do consumidor automaticamente. Ou o consumidor tem a certeza de que a cobrança é indevida, mas tem receio de não pagar e acaba pagando essa cobrança indevida. Sendo assim, ele pode incluir na ação o pedido de reembolso dos valores. O Código de Defesa do Consumidor apresenta o artigo 42, que determina que o consumidor tem direito à repetição do indébito, ou seja, ele tem direito de receber de volta o dinheiro já desembolsado em dobro. Então, essa é a regra geral, a exceção é caso esse engano cometido pelo fornecedor seja justificável e aí essa restituição não seria em dobro, mas de forma simples. 

Mas é importante que o consumidor, no caso de uma ação na Justiça, tente juntar os documentos que comprovem que antes de pagar o valor indevido, que ele tentou alertar o fornecedor de que se tratava de uma cobrança equivocada ou que a dívida já havia sido quitada ou que não se tratava de uma dívida de sua responsabilidade. 

Esse tipo de processo gera custas à parte autora da ação?

LÍVIA GERASIMCZUK: Não necessariamente. Se o consumidor entrar com uma ação declaratória de inexistência de débito na justiça comum, ele terá que pagar as custas ao longo do processo. Mas esse tipo de ação pode ser ajuizada no juizado cível, que é mais simples, rápido e sem custas. Esse juizado foca nas causas com valor de até 40 salários mínimos e não é necessária a presença de advogado em causas com valor abaixo de 20 salários mínimos. Além disso, não há pagamento de custas no momento de propositura da ação. 

Como solicitar isenção das custas ou onde encontrar o serviço de defesa gratuito?

LÍVIA GERASIMCZUK: O serviço de justiça gratuito é o juizado especial cível. Na justiça comum, o benefício da gratuidade está previsto na lei 1060 de 1950, que é conhecida como a lei de assistência judiciária, e também no novo código de processo civil. Pelo texto da lei, mesmo com a contratação de advogado particular, a pessoa pode pedir a justiça gratuita caso ela comprove hipossuficiência de recursos para pagar as custas das despesas pessoais e os honorários advocatícios. Com informações de Estadão.

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