Meu compadre Getúlio Pessoa, de quem não canso de ter saudades depois que ele foi morar fora do Brasil, postou o seguinte: “Por isso na impaciência/Desta sede de saber/Como as aves do deserto/As almas buscam beber/Oh! Bendito o que semeia/Livros, livros a mancheias/E manda o povo pensar!/O livro caindo n’alma/É germe – que faz a palma/É chuva – que faz o mar.—Isso é um trecho do poema “O Livro e a América”, de Castro Alves. Lembrei-me desse poema, de que boa parte ainda sei de cor e que decorei quando era aluno do quarto ano no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, em Cruzeiro do Sul, Acre. Li, hoje, na Folha de São Paulo, a coluna de Luiz Schwarcz, cujo início transcrevo: “O ministro Paulo Guedes veio a público defender sua reforma tributária e a taxação dos livros. Seu argumento é mais ou menos o seguinte: o livro é um produto de elite, logo, quem compra pode pagar um preço maior”. Castro Alves ou Paulo Guedes? Você decide, mas lembre-se de que estou falando de livros e não de posto de gasolina”.

É, meu compadre, é vergonhoso. O nosso país – essa é a verdade – nunca teve uma “política de Estado” para a educação. As tais “leis de diretrizes” são pontuais e sazonais, sem nunca terem alcançado o cerne do problema, que implica necessariamente em qualificação e boa remuneração de professores e assistência integral ao alunado. Nenhum dos países que hoje despontam como grandes potências econômicas chegou a esse patamar sem ter feito investimentos maciços e sérios na educação. Desde o ensino fundamental até o superior.

Esse defeito é congênito no Brasil. Faço esta ressalva para que os bolsomínions fanáticos (perdoem-me o pleonasmo) não me venham dizer que atribui injustamente ao capitão o surgimento do problema. Entretanto, os sintomas dessa patologia social só tendem a se agravar no governo Bolsonaro, onde cultura é sinônimo de ofensa, com a prevalência absoluta da ideologia das armas de fogo.

Acho que essa é a clara tendência: se “livro é um produto de elite”, um revólver não o deve ser, na medida em que só faz crescer o estímulo oficial para a aquisição de armas e munições. “Não leia; atire”, seria um slogan bem apropriado para botar em comparação os ideais da cultura e da violência. Assim como se fosse preciso algo mais para incrementar o volume e a estatística dos crimes.

Dizem os arautos do governo que é direito de cada cidadão ter e portar arma de fogo. Ainda que o fosse, não ultrapassa a categoria de mera falácia a divulgação de que a disseminação de armamentos tem como objetivo permitir a autodefesa, em caso de agressão. Não é só falacioso: é mentiroso, pois qualquer adolescente bem ajustado sabe que o chamado “homem médio” não tem a vocação nem a habilidade para o uso de revólveres e similares.

Mas, compadre Getúlio, o desprezo do governo pela educação não se confina a essa surreal taxação de livros. Adianto-lhe: o Ministério da Economia já informou ao Ministério da Educação que o orçamento deste, para o próximo ano, sofrerá uma redução de 18,2% em relação ao do ano em curso. Quer isso significar que será retirado do MEC algo em terno de quatro bilhões e duzentos milhões de reais.

Que o ensino vá às favas; que as nossas crianças continuem sem perspectivas. Nada disso importa. Permaneçam nas trevas da ignorância e vão sobrevivendo como for possível, assim como estão fazendo diante dos estragos causados pela pandemia.

Por essas e outras, o culto da estupidez só tende a crescer. Exemplo disso foi a sentença prolatada pela doutora Marchalek Zarpelon, da primeira vara criminal de Curitiba (que coincidência!). Para condenar a quatorze anos de prisão um homem negro de quarenta e dois anos, chamado Natan Vieira da Paz, Sua Excelência esbofeteou a humanidade ao escrever que Natan é “seguramente integrante do grupo criminoso em razão de sua raça”.

Uma cretina desse jaez com certeza nunca leu um livro. Não pode: eles estão sendo taxados pelo Paulo Guedes.

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