Hoje de manhã recebi a Medalha do Mérito Acadêmico, outorgada pela Escola Superior da Magistratura do Amazonas – ESMAM. Não tolero a falsa modéstia, mas, no caso específico, só posso atribuir a honraria a uma postura mais que generosa dos integrantes do Conselho responsável pela comenda, quais sejam os desembargadores Flávio Pascarelli e Jorge Lins e os juízes Lúcia Viana e Marco Auréio Costa.

É certo que por mais de trinta anos tenho exercido o magistério superior, especialmente no campo do direito penal. Mas mérito, se algum tenho, foi o de sempre tentar levar aos alunos a visão de que a ciência jurídica não se basta a si mesma, sendo indispensável estar estritamente vinculada a uma visão universal, que lhe permita compreender o mundo e contribuir para transformá-lo. Sem isso, o direito se enclausura numa bolha e, não respirando a realidade, acaba por confundir lei com justiça.

Tem sido difícil ensinar no Brasil pós-ditadura. As escolas públicas foram rebaixadas a níveis impensáveis, invertendo diabolicamente a relação entre elas e as particulares, nos moldes como as conheceu a minha geração. A desvalorização da condição de professor é fator que avulta nesse quadro perverso. Com salários ridículos, os mestres têm que forçosamente exercitar um sacerdócio caritativo que, se os enaltece pela dedicação, não lhes permite o aprimoramento e a especialização.

Os currículos também foram violentados. Muito mais de uma vez já disse que minha limitada inteligência não permite compreender a razão de ter sido banido o latim, estupefação que se agiganta diante do mesmo comportamento em relação à filosofia. Não é possível ser universal sem que pelo menos rudimentos de filosofia tenham sido aprendidos, ainda na juventude. Da mesma forma, o vernáculo se torna incompreensível e difícil se os fundamentos da língua mãe forem ocultados. As consequências são inevitáveis: a grande maioria chega ao curso superior sem conseguir se expressar de maneira correta, por escrito ou verbalmente, enquanto aumentam as dificuldades de compreensão sobre os princípios de cada ciência.

E assim se consolida o quadro que alhures já debuxei: uma política populista e demagógica exige aprovações para efeitos propagandísticos, enquanto o efetivo conhecimento deixa de ter qualquer importância. Em outras palavras: assista às aulas, faça as provas que nós lhe garantimos aprovação, embora, na realidade, não se seja capaz de distinguir um viaduto de um veado adulto.

Mas se, com a minha própria exclusão, todos os demais homenageados pela ESMAM são mais do que dignos da honraria, tenho que é de meu dever destacar dois casos em espécie. O governador Amazonino Mendes recebeu a medalha e muito mais lhe deve a educação em nosso Estado. É impossível não lembrar: a ele se credita a criação da Universidade do Estado do Amazonas que, com pouco tempo de existência, já se credenciou como uma das mais respeitadas no Brasil. Amazônida de nascimento e democrata por vocação, Amazonino logrou compreender que a região necessita de um centro avançado de pesquisa que enseje a verdadeira compreensão de nossa realidade, para o científico e racional aproveitamento de nossas riquezas. Sem isso, continuaremos a nos debater em um romantismo estéril, a depender de fórmulas e manipulações da ciência econômica para evitar a falência pura e simples.

O professor João dos Santos Pereira Braga é o outro caso que distingo. Mais de seis décadas de magistério o transformaram num ícone do ensino. Se há mérito acadêmico está ele espelhado na respeitável figura do velho mestre, repleta de dignidade e a revelar uma sabedoria tranquila. A todos nos emocionou o seu discurso. Principalmente pela visível e incontrolável emoção do próprio orador que, sem embargo do tempo, fez relembrar a figura do combativo tribuno, a terçar argumentos no júri, onde foi um paladino na defesa da liberdade. Se outro valor não tivesse tido a solenidade matutina, bastaria registrar que permitiu ouvir mais uma lição do professor João dos Santos Pereira Braga.

Quanto a mim, mesmo achando que não fiz por merecê-la, guardarei minha medalha com respeito e reverência. Lembrar-me-á ela sempre de que fui professor e que, em o tendo sido, jamais esqueci a responsabilidade da função. Se nunca tive conhecimentos avantajados, busquei compensar a deficiência com a compreensão de que o aluno é o verdadeiro sujeito do ensino, razão por que nunca o tratei como mero objeto. Tanto me basta. Isso e o prazer e a alegria de, em algum momento e em algum lugar, ouvir um jovem a mim se dirigir, chamando-me de “professor”. Não tem preço e, se se trata de orgulho, é um orgulho que carrego.

Feliz Natal a todos.

Artigo anteriorPolícia apreende caixas de cervejas que seriam consumidas em festa na cadeia em Coari
Próximo artigoSeduc divulga resultado do processo seletivo para escolas de tempo integral do interior do Estado