Milhares de pessoas saíram às ruas para protestar nesta quarta-feira, 23, na cidade americana de Louisville, depois que a Justiça se limitou a acusar, de forma indireta, apenas um dos policiais envolvidos no tiroteio que causou a morte da enfermeira negra Breonna Taylor, cujo nome se tornou um dos símbolos do movimento contra o racismo.

Dois agentes de segurança foram baleados durante a manifestação. O chefe de polícia interino de Louisville, Robert Schroeder, disse que uma pessoa foi detida, mas não deu detalhes sobre o suspeito. Os dois policiais feridos foram hospitalizados, e um deles passa por cirurgia.

Durante a tarde, vários manifestantes foram presos enquanto os protestos avançavam pela principal cidade do estado de Kentucky, com 600 mil habitantes. Lojas do centro da cidade protegeram suas fachadas ante o temor de uma onda de violência gerada pela decisão judicial. O município decretou estado de emergência e convocou um toque de recolher a partir das 21h locais.

Decisão polêmica

Um júri de Kentucky decidiu não acusar nenhum policial diretamente pela morte de Breonna, de 26 anos, morta por agentes de segurança dentro do apartamento onde morava durante uma ação de busca de drogas — nenhum entorpecente foi encontrado, na ocasião.

Em vez disso, a justiça apenas formalizou acusação contra o policial Brett Hankison. Ele responderá por colocar a vizinhança em perigo e agir com indiferença ao disparar em casas vizinhas à de Taylor.

Ou seja, nem ele nem nenhum outro policial por enquanto vai responder diretamente por matar Breonna Taylor, segundo a agência Associated Press.

O advogado da família de Taylor, Ben Crump, chamou a decisão de “revoltante e ofensiva”. Os manifestantes saíram às ruas de Louisville com os gritos de “sem justiça, sem paz”.

Hankinson foi demitido da polícia em 23 de junho. Na carta de demissão, o chefe da corporação, Robert Schroeder, disse que o policial violou procedimentos ao mostrar “extrema indiferença ao valor da vida humana ao disparar cega e arbitrariamente” contra vizinhos.

Nenhum dos tiros disparados por Hankison, porém, atingiu Taylor. Ela foi atingida por seis disparos feitos por outros policiais, que não foram acusados.

Na semana passada, a prefeitura de Louisville, cidade onde Taylor foi morta, concordou em pagar US$ 12 milhões à família da jovem. Além disso, pelo acordo firmado entre o prefeito e aos parentes de Taylor, a polícia precisará investir em reformas na corporação para evitar que novas ações terminem em morte. O FBI ainda investigará se houve violações às leis federais.

Confundido policiais com ladrões

Os dois colegas de Hankison, Jonathan Mattingly e Myles Cosgrove, destituídos em junho, foram liberados, porque o tribunal considerou que eles agiram em legítima defesa.

Segundo a imprensa local, Hankison apresentou-se em uma prisão da região e, em seguida, foi colocado em liberdade, após o pagamento de uma fiança de US$ 15 mil, quantia bem menor do que em casos semelhantes. Demitido pela polícia de Louisville em junho, ele pode ser condenado a até 15 anos de prisão.

Breonna Taylor morreu em sua residência na noite de 13 de março, quando os policiais entraram com um mandado especial, vestidos à paisana. Seu namorado atirou contra eles porque, segundo ele, pensou que eram ladrões. Os policiais, que não estavam com a câmera reguladora ativada, dispararam várias vezes contra a enfermeira.

O namorado de Breonna garantiu que confundiu os policiais com ladrões, mas os policiais afirmaram ter anunciado sua presença antes de entrar, uma versão confirmada por uma testemunha, de acordo com o promotor Cameron.

A investigação não determinou qual dos policiais matou a mulher. “Segundo a lei de Kentucky, o uso da força por Mattingly e Costgrove foi justificado, porque eles se protegeram”, assinalou o promotor.

Toque de recolher

“Irmã, o sistema para o qual você trabalhava tão arduamente te abandonou”, reagiu no Instagram Juniyah Palmer, irmã da vítima. O advogado da família Taylor, Ben Crump, expressou em comunicado sua indignação: “Isso constitui um novo exemplo de ausência de responsabilidade pelo genocídio dos negros cometido por policiais. É irônico e típico que a única acusação neste caso seja por tiros disparados no apartamento de um vizinho branco.”

A morte de Breonna não despertou muita atenção da imprensa no momento dos fatos, mas o caso ganhou notoriedade após as manifestações em massa contra o racismo que se espalharam pelo país após a morte de George Floyd.

“Sei que a decisão anunciada hoje não irá contentar a todos”, reconheceu o promotor Cameron, que confessou ter tido “uma conversa difícil” com a família Taylor. “Entendo perfeitamente o sofrimento causado pela perda trágica da senhora Taylor. Entendo como promotor e como negro.”

Cameron pediu àqueles que forem às ruas para “lembrarem que marchas pacíficas” são seu “direito como cidadãos americanos”, mas que “violência e destruição”, não. “Buscar justiça com violência não rende justiça, e sim, vingança”, declarou.

O caso de Taylor foi especialmente lembrado durante a onda de protestos contra a violência policial e o racismo que abalou os Estados Unidos depois da morte de George Floyd em 25 de maio – um americano negro que morreu asfixiado por um policial branco em Minneapolis. (Estadão)

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