Certo dia, um jovem que sonhava ser padre, sonhou casando-se. Quando amanheceu, saiu à procura de um padre. Chegando na igreja, o padre parecendo-lhe conhecer os pensamentos, foi logo lhe perguntando: 

– Filho, como vai a vocação? 

– Padre, eu estou… 

Nem chegou a completar a frase e o padre começou a palestrar. 

– Sabe filho, uma das grandes questões da humanidade atualmente é a liberdade. 

– Mas padre… 

– A liberdade é um conceito equívoco, discutido nas mais diversas áreas do saber.  

– Mas padre… 

– No campo da fé precisa tê-lo em boa conta e, apesar das dificuldades de entendimento que dele derivam, sem uma noção clara do que seja a liberdade humana e a liberdade divina, o próprio ato de fé e sua prática podem ficar comprometidos, lesados ou distantes da sua essência. 

– Mas padre… 

– Deus corre riscos quando dá ao ser humano o dom da liberdade? É possível experimentá-la sem condicionamentos? Se sim, é certo afirmar que não há limites na liberdade? Se não, como justificar suas fronteiras?  

O padre perguntava e ele mesmo respondia, num monólogo interminável. 

– Percebe, filho, o quanto é exigente sua conceituação. Não podemos confundir liberdade com libertinagem que, dito a grosso modo, significa fazer o que quiser. Ao contrário, para se ter liberdade, necessariamente, é preciso ter presente a dimensão da consciência, da ética, da moral, valores estes condicionados a outros inúmeros fatores como educação, política, costumes, cultura e, claro, religião. 

O jovem já não aguentando todo aquele falatório do padre, sai correndo da igreja. Nesse mesmo momento entra na igreja um outro jovem que acabara de furtar um celular no centro da cidade e que pensava escapar da ação policial e da troca de tiros entrando no templo sagrado. No meio da igreja, os dois jovens chocaram-se e o padre saindo do confessionário, foi socorrê-los. 

– Levantem-se. Venham. Escondam-se aqui. 

            Os policiais indagaram o padre sobre o suspeito, mas este disse que ali estavam apenas os dois jovens seminaristas da congregação. 

Quando os policiais suspenderam as buscas e o jovem assaltante recuperou a consciência, ofegante, perguntou ao padre: 

– Se não houvesse Deus, seríamos escravos de nós mesmos? 

O padre surpreso indagou-lhe: 

– Aonde aprendeu isto, jovem? 

– Padre, eu sou é assaltante e não burro! 

O outro jovem, o seminarista, querendo falar, mas o padre não o deixava porque ele falava compulsivamente, continuou: 

– Meu filho, Deus existe e nele não há possibilidades nenhuma de habitar o mau, somente em si e a partir de si, pensamos ser possível uma liberdade sadia, justa, equânime, verdadeira, prazerosa e que cause benefício não só àquele que a experimenta, mas também a todo o restante da humanidade. 

– Mas padre… 

– Fala logo – disse o jovem assaltante virando-se para o seminarista. – Quando você julgar que tem algo importante para dizer não espere autorização de ninguém. Fala assim mesmo! 

Depois desse aconselhamento, tomado por uma força interior, o jovem seminarista perguntou: 

– Padre, ontem à noite eu tive um sonho. Sonhei que me casava nessa igreja. Como o senhor sabe, eu quero ser padre. O que esse sonho significa? Que eu não serei padre?  

O padre virando-se para o jovem seminarista e citando Santo Agostinho, responde: 

– “Quanto mais obedientes, mais livres somos.” 

O jovem assaltante que ouviu a resposta do padre, pensou consigo mesmo: “Por isso que a Igreja está perdendo fiéis, são muito intelectuais e com isso não conseguem se comunicar com o povo”.  

E voltando a falar em voz alta, disse: 

– Obrigado padre pela acolhida, mas já estou indo embora. 

– Você vai para onde filho? 

– Estou indo para Brasília. É lá que está o meu futuro!  

Três anos depois qual não foi a supressa do padre e do seminarista quando eles assistiram pela TV aquele jovem assumir um importante cargo no Congresso Nacional? E na ocasião ele ainda discursava: 

– Sou cristão. Ficha limpa. Defendo a família tradicional e a ética no serviço público e privado. E tenho um sonho. Quero ser presidente do meu país. 

Na igreja, o padre perguntava ao seminarista: 

– Você duvida que ele vá conseguir? 

– Não, padre! 

– Tudo é possível para quem tem fé! – disse o padre. 

– Mas a que custo? 

– Isso é um outro assunto! 

– Infelizmente Deus tornou-se a expertise que muitas pessoas utilizam para justificar as suas ações, tanto para o bem quanto para o mau. 

– Você tem razão, filho! Mas vamos orar. É para isso que estamos aqui. É isso que sabemos fazer! 

– Então vamos, padre! 

“Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, vem a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu…” 

Luís Lemos é filósofo, professor universitário e escritor, autor do livro: “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas”.  

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