As coisas pareciam ir tão bem e no rumo certo. Tudo de acordo com nossos anseios por justiça e  mudanças. Muitos “peixes graúdos” na cadeia. Gente que nunca imaginou estar atrás das grades agora amargava a experiência de ver o sol nascer quadrado, igual a qualquer ladrão de galinha. Pessoas que se colocavam acima do bem e do mal, de uma hora para outra, protagonizavam cenas que mais pareciam filmes de ficção científica. Realidades nunca antes imaginadas, de repente, eram estampadas nos meios de comunicação de todo o País. Grampos telefônicos revelavam a verdadeira face do crime, de como eram engendrados, tramados e costurados. Uma teia sem fim de interesses escusos, guardados a sete chaves, mas que a perspicácia de alguns teimou e conseguiu revelar.

Figurões que costumavam bater no peito como defensores árduos do fraco e do pobre. Políticos, empresários e administradores públicos influentes, agora eram identificados como os verdadeiros traidores da Pátria. Gente mesquinha. Gente ardilosa. Profissionais da mentira. Finalmente, parece que  as coisas haviam entrado nos eixos. Bastava manter o ritmo e…pronto. Tínhamos a esperança de chegarmos a sermos o País sério, ordeiro e disciplinado que qualquer cidadão do primeiro mundo estava acostumado a vivenciar.

Engano nosso. Triste engano.

Parece que acabamos de acordar de um grande sonho. Um sonho maravilhoso que há anos sonhávamos em sonhar. O tempo acaba de fechar e parece que as nuvens escuras tomaram conta de nosso céu de brigadeiro.

O cidadão de bem acaba de ser esfaqueado. Foram duas estocadas certeiras, profundas e com consequências incalculáveis.

No último dia 24/09 protagonizamos algo surrealista.    O bandido, o ladrão, o que assalta, o sanguinário, o que mata e o que rouba aplaudiram, de pé, a mais uma barbárie cometida contra o cidadão de bem. A Câmara dos Deputados derrubou 18 dos 36 vetos presidenciais à recém aprovada lei de abuso de autoridade. Aliás, muitos juristas, magistrados, promotores de justiça e procuradores da República defendiam veementemente que a recente lei fosse vetada integralmente pelo presidente; tal era o teor de veneno que carregava em seus dispositivos. Infelizmente, isso não ocorreu. A solução presidencial foi retirar apenas 36 dispositivos do texto da lei. Tudo bem, pelo menos isso.

Sobre a aprovação da referida lei, estava mais para proteger bandidos do que salvaguardar direitos contra eventuais excessos. Na verdade, as organizações criminosas  não poderiam ficar de braços cruzados. Tinham que fazer algo para se defenderem de quem lhes ameaçava puxar o tapete. A solução veio por meio de um projeto de lei que pune juízes, procuradores e promotores por abuso no exercício de suas funções. Com a aprovação do texto quem decretar a prisão de bandidos que saqueiam os cofres públicos terá que ter suas cautelas. Poderá vir a responder por “abuso de autoridade” (imagine!!). Ou seja, na prática, colocaram uma arma nas mãos das milícias para atirarem sempre que se sentirem ameaçadas de largarem o osso. Algo bizarro, absurdo e descabido!!

Interessante notar que o texto da lei não prevê nenhuma punição contra aqueles que soltam graciosamente os gatunos, por meio de decisões desarrazoadas, tacanhas, sem pé e sem cabeça como, aliás, temos testemunhado diariamente nos meios de comunicação. Ou seja, incriminam quem prende e deixam de lado quem solta. Bela equação!! 

A segunda punhalada veio ontem, protagonizada pelo nosso Pretório Excelso. Reunidos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal praticamente bateram o martelo a favor da tese que pode anular 143 das 162 sentenças proferidas na Operação Lava-Jato. Pior: boa parte delas podem ser alcançadas pela prescrição já que os autos voltam ao estágio da instrução inicial. Ou seja, muitos tubarões podem ficar livres da cadeia apenas pela ação do tempo. Bingo!!

O entendimento firmado pelo STF foi no sentido de que o réu delatado deverá ser o último a falar no processo. Isso não ocorreu na maior parte das sentenças proferidas. Eu fico cá pensando: mas esses mesmos réus não tiveram a oportunidade de falar o que queriam nos infindáveis recursos que moveram logo após  a sentença condenatória? Não se trata de apenas uma filigrana jurídica?? E o Princípio da Instrumentalidade das Formas onde é que fica?? Será que, realmente, há necessidade de voltar no tempo e apagar o que já foi arduamente escrito?? E bota árduo nisso!! Foi difícil, muito difícil, colocar esse povo todo na cadeia!! Haja noites mal dormidas!! Haja desgaste emocional!! Haja criatividade para não cair nas armadilhas processuais e se desviar das brechas legais!!

Mas… manda quem pode!! Obedece quem tem juízo!!

Reescreve aqui o que disse em minha rede social: “Sinais estão sendo dados. Basta interpretá-los. Ontem foi a derrubada dos vetos presidenciais; hoje uma decisão que fere de morte algo tão caro para a maioria dos brasileiros (a Operação Lava-Jato). Amanhã, o que será??? Algo está errado com a democracia brasileira ou, como prefiro, com a democracia à brasileira. Eu, sinceramente, gostaria que tivéssemos a força dos protestos de Hong Kong. No mínimo, este País deveria ser tomado por protestos nas ruas exigindo respeito das autoridades constituídas. Aliás, não há como respeitá-las. Roubar, matar e destruir continua valendo a pena neste País, com as bênçãos de quem carrega sobre os ombros o dever de lutar contra o mar de lama que tomou conta do setor público nacional.

Vigora no Brasil a ditadura do crime. Não, senhores, a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e, isto não é democracia. Foi para isso que lutamos tanto por liberdade de expressão??? Serve qualquer argumento??? Mesmo aquele que nos oprime, nos humilha e nos aniquila???

Como brasileiro, só me resta o luto”

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão

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