Gostaria que você compreendesse bem o que vou dizer a seguir: o sentido da existência humana é a arte. E insisto: somente a arte torna os seres humanos felizes. E logo me explico. Antes, porém, deixa-me explicar o que entendo por arte. Em primeiro lugar, eu entendo por arte à própria existência humana. Será que existe uma obra de arte mais perfeita do que à própria vida? Que autor seria capaz de tão grande obra?

Em segundo lugar, entendo por arte toda e qualquer atividade humana que expressa sentimentos; que é livre e consciente; que não é egoísta e deseja o bem comum. A finalidade da arte, então, seria a felicidade humana. Quando a “arte” oprime, escraviza e menospreza os outros não é arte, é propaganda, ideologia. Essa “arte” não serve. Toda arte que segrega deve ser desprezada.

Em outras palavras: toda manifestação artística, seja na poesia, na literatura, na música, na dança, na escultura, na pintura, etc., deve ser construída na perspectiva do outro, para que o outro se identifique, se encontre, e se realize quando entrar em contato com essa arte. E é por isso que precisamos nos educar, ler bons livros, escutar uma boa música, etc., pois somente através da educação somos capazes distinguir entre a arte que liberta e a arte que escraviza.

Recentemente ministrando uma aula para os alunos do curso de Psicologia de uma faculdade particular aqui de Manaus lancei a seguinte pergunta eles: Qual é o papel da arte no mundo atual?” e as respostas foram as mais diversas. Dentre tantas respostas interessantíssimas, destaco aqui três das quais chamaram mais a minha atenção: 1) “A arte liberta o ser humano da mesmice”; 2) “A arte serve para tornar a vida humana mais agradável, bela”; 3) “A arte é uma forma de eternizar sentimentos”.

Naturalmente não irei comentar nenhuma dessas frases, apenas dizer que para muitos desses alunos a arte não é boa ou ruim, é algo para ser sentido. Deu para perceber também, nas respostas dos alunos, que a arte é o caminho mais curto para a felicidade humana, isso porque, toda arte é intensa, concreta, e o momento da criação é o ponto máximo, o êxtase, a felicidade plena do artista. Corroborando com essa ideia, o pintor francês Marcel Duchamp (1887-1968), afirma que: “a arte pode ser ruim, boa ou indiferente, mas qualquer que seja o adjetivo empregado, temos de chamá-la de arte. A arte ruim é arte, do mesmo modo que uma emoção ruim é uma emoção”.

Por tudo isso, ouso dizer, não importa a época, o contexto, a ideologia, o segmento artístico, a arte é, e sempre superior aos sentimentos, à realidade, os sentimentos, as ideologias dominantes, enfim, à vida. Assim como o poeta vive em função da rima perfeita, do êxtase da criação, o artista vive em função da arte, e não o contrário. É como diz o poeta maranhense Ferreira Gullar (1930-2016): “A arte existe porque a vida não basta”.

Somente quando o ser humano consegue entender que ele próprio é a obra de arte mais perfeita e mais bela que existe no mundo ele consegue se libertar das amarras do consenso e de todos os estereótipos e ideologias dominantes da sociedade atual. Por fim, não me canso de meditar sobre as sábias palavras do filósofo grego Platão: “O invisível e o tangível são um engano dos sentidos que impedem de ver a autêntica realidade: Deus” e de ouvir a bela canção do grupo Secos e Molhados (1973), com interpretação perfeita de Ney Matogrosso:

“Pense nas crianças mudas telepáticas
Pense nas meninas cegas inexatas
Pense nas mulheres, rotas alteradas
Pense nas feridas como rosas cálidas
Mas só não se esqueça da rosa, da rosa
Da rosa de Hiroshima, a rosa hereditária
A rosa radiotiva, estúpida, inválida
A rosa com cirrose a anti-rosa atômica”.

Luís Lemos

Filósofo, professor universitário e palestrante. Autor dos livros: O primeiro olhar – A filosofia em contos amazônicos (2011), O homem religioso – A jornada do ser humano em busca de Deus (2016); Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas: Histórias do Universo Amazônico (2019). E-mail: [email protected]

 

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