Pessoas com Covid-19 e em recuperação após a infecção podem sofrer impactos consideráveis nas funções cerebrais e disfunções cognitivas e mentais no cérebro, conforme apontam pesquisas em andamento e os próprios pacientes que buscam ajuda em consultórios médicos.

A neurologista Karoliny Vieira, com especialização em Medicina Intensiva e que atua no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) e no Adventista de Manaus, tem atendido diversos pacientes com déficits cognitivos consideráveis, independente da gravidade da infecção pelo coronavírus.

As queixas mais comuns são relacionadas à perda de memória recente, como as tarefas realizadas pelo cérebro tipo lembrar palavras, lembrar o que ia buscar na cozinha ou de um telefone, e esquecimento de modo geral.

“Há sim uma disfunção cognitiva, uma alteração da cognição nos pacientes que tem Covid, e que pode perdurar no período pós-Covid, após as duas primeiras semanas de infeção aguda. Quando chegam no consultório com o neurologista, as queixas são mais relacionadas à memória de curto prazo. Lembrar o que vai fazer em seguida, como pegar uma coisa na geladeira, anotar um número de telefone, lembrar de dar um recado. Observamos que a memória de longo prazo, consolidada, não sofre tantos prejuízos”, explica Karoliny.

Também são comuns casos quando essas pessoas são perguntadas sobre o processo de guardar novas informações, ou seja, o aprendizado e a função de atenção, como resultado de sequelas. “Estamos vendo várias disfunções em domínios cognitivos diferentes, que são memória, atenção, linguagem, aprendizado, funções executivas”.

Para a neurologista, o que se nota é que mesmo pacientes que não tiveram estágio mais grave da Covid, que não foram internadas ou não fizeram terapia com oxigênio suplementar, que ficaram em casa, tiveram sintomas leves e moderados, tem apresentado as queixas de disfunção cognitiva da memória.

“Obviamente que quanto maior a gravidade da doença, maior a probabilidade de desenvolver esse tipo de alteração, por conta da própria falta de oxigênio. Mas pacientes que tiveram quadro leve, sem nenhum sintoma respiratório, evoluem com essas mesmas disfunções de lapsos de memória, em menor grau, mas evoluem”, alerta a especialista.

Para quem está passando por esta experiência de alteração de memória após a remissão do novo coronavírus, Karoliny aconselha que desenvolvam exercícios cognitivos, ainda que não exista uma terapêutica consolidada, uma vez que as alterações estão sendo estudadas e pesquisadas pela comunidade científica.

“Não se sabe muito bem a causa delas, porque ocorrem, se são por conta do vírus em si, ou por conta da reação inflamatória. Como não tem essa percepção e os estudos estão saindo neste sentido, não há uma terapia medicamentosa. O que se faz é treinamento cognitivo, exercitar a memória, com leitura, aprendizado de coisas novas e exercícios para o cérebro”.

Um especialista na área deve ser procurado quando as disfunções passam a impactar na qualidade de vida, no trabalho, no cotidiano e nas tarefas do dia a dia. “Quando há prejuízo na vida diária, é o momento de procurar o médico”, comenta a neurologista.

A médica explica que a hipóxia, que é a redução da quantidade de oxigênio circulante no organismo, tem relação direta com as alterações cerebrais e de memória. “Isso para qualquer doença respiratória que se torne grave, que tenha a necessidade de terapia com oxigênio suplementar, quando se usa cateter, coloca máscara ou paciente que evolui para intubação com necessidade de utilização do respirador. Essas áreas ligadas à memória e ao aprendizado são muito sensíveis a qualquer alteração no nível de oxigênio circulante”.

E diante do quadro de pandemia, apesar das sequelas e da doença, Karoliny lembra que nem tudo poder ser atribuído exclusivamente à Covid-19 em relação à cognição. Quadros de alteração do humor modificam e inclusive mimetizam mudanças de memória. “O próprio isolamento que a gente está vivendo, a falta de interação social que é se faz necessária neste momento, causam impacto nas funções cognitivas. O ser humano é um ser sociável. É um ser que essencialmente evoluiu para viver em sociedade. Acaba que quando você se vê forçado a um isolamento, tem peso. Fora que esse isolamento e as alterações na vida cotidiana podem exacerbar alguns transtornos que pacientes vão ter, psiquiátrico, depressivo, de ansiedade”.

A especialista recomenda manter-se positivo para melhorar o impacto da doença e do isolamento, mesmo sendo algo difícil de se fazer diante do cenário atual. “Mas é algo que ajuda e muito, não é metafórico, é literal. Ajuda na recuperação cognitiva. Evitar ao máximo ficar conectado com notícias negativas o tempo todo. Isso tem impacto negativo nas emoções, que tem ligação com a memória, com o aprendizado, nessas funções, e sempre buscar deixar a mente ativa com atividades novas”.

Apesar das limitações da quarentena, atividades que envolvam leitura, uso das redes sociais, das mídias, da tecnologia em função de maior conexão social, são recomendados. “Cada um no seu canto, mas conectado pela tecnologia. E se manter positivo e manter hábitos os mais saudáveis possíveis. Cuidar da alimentação e praticar alguma atividade física, mesmo que dentro de casa”, indica a neurologista.

* Karoliny Vieira é médica neurologista, formada em Medicina pela Universidade do Estado do Amazonas em 2011, com residência médica em Neurologia pelo Hospital Universitário Getúlio Vargas e médica neurologista assistente e preceptora da residência médica do Hospital Adventista de Manaus. Instagram: @drakarolvieira

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