O pastor Gladiston Dinho, 58, não acreditava que a Covid-19 fosse capaz de lhe dar mais do que “uma gripe inofensiva”. Até andar pelo vale da sombra da morte.

O cenário fúnebre descrito na Bíblia virou uma experiência que ele encara como “totalmente real”. “Era um lugar tenebroso, mas eu não sentia medo. Escuro para todos os lados, a única coisa clara era onde eu pisava, [o chão era] como um verme gigantesco com pelos, que se movimentava como esteira rolante de aeroporto.”

Dinho quase morreu. Duas vezes. O que era para ser uma gripezinha, contou, “complicou bastante”. Passou 51 dias na UTI de um hospital de Campo Grande (MS), onde foi intubado, submetido a uma traqueostomia e isolado após “virar um perigo para os outros pacientes” —teve dois choques sépticos quando contraiu “a pior bactéria hospitalar”.

Também sofreu um enfisema que fez o ar vazar dentro do corpo. “Ficou tudo inflado do abdome para cima.”

Murcha ficou sua impressão de que a doença que lhe fez perder um terço dos 90 kg que tinha antes da internação não era nada demais. Em dezembro, voltou à sua igreja, Ministério Atos de Justiça, e lá admitiu: “Menosprezei um pouco a capacidade de contágio e até a gravidade da enfermidade, achando que, se tivesse Covid, seria, assim, uma gripe, e que no máximo eu ficaria distanciado da igreja por 15 dias”.

Dinho retornou ao púlpito mais de cem dias depois e nele elencou o que hoje considera “avaliações erradas que fiz sobre o período da pandemia”.

Para começo de conversa, acha que a certa altura deu “uma relaxada”. Outro equívoco: minimizar a importância do protocolo recomendado por infectologistas. “Cheguei a ficar com raiva da máscara, [dizer] ‘estão colocando cabresto social nas pessoas’.”

O líder evangélico agora recorre às Escrituras, mais precisamente ao livro de Levítico, que fala sobre “a praga da lepra”, para defender as medidas sanitárias. Na passagem, Deus diz que cabe a sacerdotes avaliarem pústulas e estipularem um período de isolamento.

“Quem ficar leproso, apresentando quaisquer desses sintomas, usará roupas rasgadas, andará descabelado, cobrirá a parte inferior do rosto e gritará: ‘Impuro! Impuro!’. Enquanto tiver a doença, estará impuro. Viver á separado, fora do acampamento”, diz trecho do Antigo Testamento.

“Distanciamento social e máscara são bíblicos. Há 3.500 Deus já estava nos ensinando isso”, afirma Dinho.

Ainda continua imunizado, contudo, contra a esquerda. Inclusive acha que há interesses econômicos por trás da disseminação global do vírus, e progressistas teriam tudo a ver com isso. “Vocês nunca viram o sr. [Bill] Gates de máscara, nem George Soros. Vocês não vão ver. Existe manipulação? Existe”, afirma, evocando uma teoria da conspiração sem qualquer lastro factual (ou seja, fake news).

O pastor não sabe como contraiu o coronavírus. Talvez na igreja, talvez quando acompanhou, por dois dias, a esposa no hospital —ela foi trocar uma prótese mamária.

Primeiro sintoma: dor nas costas. Logo vieram febre e diarreia. Ele conta que tomou o “kit Covid”, que contém remédios como ivermectina e cloroquina, com eficácia questionada pela maior parte da comunidade científica. “Se existe possibilidade de fazer bem, por que não tomar? O problema dessa medicação é que a discussão se tornou ideológica. Mal não me fez.”

Também não ajudou. Aos 57 anos e com zero histórico de comorbidades, ele pegou uma das manifestações mais virulentas da moléstia.

Dinho considera seu aniversário, em dezembro, um renascimento. Hoje, diz, “vivo pela fé, mas sou zeloso com cuidados na saúde”.

Continuará pregando, até porque “tem que cuidar também da alma e do espírito, e nisso a igreja é fundamental, é necessário que as pessoas tenham esse tipo de apoio para o espírito sem descuidar do cuidado com corpo”. Cultos lotados e com fiéis desmascarados, porém, estão descartados.

Algum conselho para Jair Bolsonaro, o presidente que em diversas ocasiões incentivou aglomerações e diminuiu a magnitude da pandemia? Dinho diz que não. Gosta dele.

Antes, afirma: “Covid não é questão política, é de saúde. O vírus não é de direita nem de esquerda. Existe um exagero, uma polarização. É ruim tanto para um lado quanto para o outro. Entendo que questão econômica é fundamental. O Brasil estaria há um ano sem gerar renda se fosse fazer a vontade dos extremistas.” Com informações de Folha.

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