Suponhamos que um escritor estivesse escrevendo um romance policial e no final saísse um livro de poesia romântica, sem consistência e controverso, de maneira que os seus leitores não entendessem a proposta inicial e nem o final do livro. Certamente esse escritor seria ridicularizado por seus pares e se possuísse alguma credibilidade editorial seria jogada na lata do lixo.

            Foi exatamente isso que aconteceu com Ramon Dias, um jovem professor de Psicologia na Universidade Federal de Felicidade (UFF), uma cidadezinha localizada no Norte do Brasil. Autor de três livros de grande sucesso comercial, que figurou por mais de três anos entre os livros mais vendido do país, colocou-se a escrever um romance policial. Ele queria explorar novas formas de escrita.

            Quando Ramon Dias apresentou o plano de seu novo livro para o seu agente editorial, Fernando Cardoso, este lhe alertou para os perigos de navegar em águas desconhecidas. Numa das muitas reuniões que tiveram, Fernando Cardoso lhe disse: – Em time que está ganhando não se mexe. O que Ramon Dias lhe respondeu: – Eu preciso experimentar coisas novas, novas experiências, novas possibilidades. 

            Com ressalva o plano foi aprovado. Ramon Dias tirou licença da UFF e jogou-se inteiramente no novo projeto. Outrossim, passaram-se às horas, os dias, as semanas, os meses e nenhuma ideia surgia para escrever o novo livro. Estava vivendo na própria pele aquilo que sempre combateu na universidade: “o bloqueio criativo”. A vida de Ramon Dias era um deserto de ideias.

            Quando se aproximava à data de entrega do livro para a editora, faltava menos de sete dias, Ramon Dias, desesperou-se e no meio de sua loucura, pensando principalmente na vultosa soma de dinheiro que tinha pegado adiantado para escrever o livro, tentou cometer o pior dos desatinos humanos: o suicídio. Mas antes desse ato fatal ele ouviu uma voz que lhe dizia: – Não se deixe enganar por uma aparência de perfeição. 

            Tomado por uma força interior, Ramon Dias passou a interagir com os objetos de seu apartamento, com as paredes, com o carpete, com o sofá, com a mesa, com as cadeiras e com o seu amigo Philip, um gato siamês que há dias não comia. Àquela voz se repetia de três em três horas e continuou assim por longos dias seguidos. 

No meio daquele universo metafísico, Ramon Dias pegou o seu amigo Philip no colo e começou a dialogar com ele como se o felino fosse um ser humano.

– Diga-me, o que será de mim meu amigo? Qual não foi a sua surpresa quando aquele animal assumindo voz humana lhe disse:

            – O mais inteligente escritor de todos os tempos, William Shakespeare, já disse: “Ser ou não ser, eis a questão”.

            – Eu não quero saber de William Shakespeare. Eu quero saber o que eu vou fazer para cumprir com o contrato que eu assinei com a editora? O que será de nossas vidas?

            – Você que é um escritor bem-sucedido, já ganhou três vezes o Prêmio Jabuti, o maior prêmio da literatura brasileira e não sabe o que fazer, imagina quem não tem toda essa sua fama? Tudo o que você escrever vira ouro, meu amigo!

– Eu só estou sendo sincero! Falta-me criatividade. Não sei nem por onde começar e nem sobre o quê escrever.

– É simples! Olhe para nós, tome esse ambiente adequado, descreva-o; use todas as suas forças, não pondere sobre nada, apenas reflita longamente sobre tudo o que você quer dizer para você mesmo, que os seus eleitores lhe entenderão. 

            – Não é bem assim! Na construção dos meus livros anteriores nunca houve inspiração, só transpiração. Muitas noites sem dormir. Muita pesquisa. Mas agora, nada! Tudo vazio.

            – Na arte da escrita ou quem domina o assunto escolhido não faltará eloquência, nem lúcida ordenação dos pensamentos.

            – Concordo contigo, mas não se ensina o padre-nosso ao vigário!

– Não seja incrédulo, Ramon Dias. Vamos, sente-se aqui, – disse o gato Philip apontando com a patinha direita para a tela do computador-, e comece a escrever tudo o que eu vou lhe disser.

            Ramon Dias foi-lhe obediente e começou a escrever noite e dia, dia e noite, fazendo pequenos intervalos apenas para ir à esquina comprar ração para o seu amigo Philip e algum enlatado para manter o seu organismo funcionando. 

Depois de sete dias o livro estava pronto e Ramon Dias escreveu a última frase ditada pelo animal: “Pode faltar tudo, até inspiração, mas para quem tem um amigo felino nunca lhe falta nada, principalmente sabedoria, arte e cultura”.

No dia seguinte, Ramon Dias se levantou cedo, na verdade, ele nem dormiu direito naquela noite. Pegou com uma das mãos o seu amigo Philip, colocando-o no peito. Com a outra mão, pegou o seu mais novo livro, um verdadeiro tratado filosófico e caminhou rumo à livraria da cidade. Na capa, estava escrito: Quem matou o gato Philip? 

Luís Lemos é filósofo, professor universitário e escritor, autor do livro: “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas”.  

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