Em 18 de maio de 1973, na cidade de Vitória (ES), um delito bárbaro chocou o País. Conhecido como “Crime Araceli”, a história de uma garota de oito anos que foi raptada, estuprada, morta e carbonizada por jovens de classe média alta marcou a data que hoje é lembrada como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Com o objetivo de orientar a população e esclarecer os procedimentos adotados em casos como esse, a equipe da Assessoria de Comunicação da Polícia Civil do Amazonas ouviu a delegada titular da Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), Linda Gláucia de Moraes, e preparou algumas dicas em como proceder diante de situações de violência sexual envolvendo esse tipo de público.

Conforme a autoridade policial, o estupro é um crime de ação pública incondicionada. “Isso significa que não é necessário que apenas a vítima o denuncie. Qualquer um que tiver conhecimento do ilícito penal pode ir ou telefonar para a delegacia formalizar a ocorrência para que os procedimentos cabíveis sejam tomados”, explicou.

De acordo com ela, por ser complexo, o inquérito policial é demorado, pois o trabalho é limitado ao tempo necessário para o relato das vítimas, identificação do autor e resultado das perícias. “A vítima é atendida por uma equipe multidisciplinar composta de psicólogos e assistentes sociais, além dos procedimentos cartorários. Existe uma barreira muito grande a ser quebrada nesse primeiro momento, pois é o ponto de partida para adquirir confiança daquela criança ou adolescente em relatar detalhes tão íntimos”, declarou a delegada.

A partir dos procedimentos na delegacia, a vítima, criança ou adolescente, é encaminhada aos serviços da rede de proteção. Linda Gláucia reforça que é importante lembrar que a unidade policial tem a preocupação de sanar tanto o lado criminal como as sequelas psicológicas e a saúde das vítimas. “Ao término das atividades cartorárias a vítima é levada para a realização dos exames de corpo de delito, conjunção carnal e anal, além de periciais. Para essas ações específicas, a delegada alerta para a importância de a vítima ir imediatamente à delegacia após o fato”, sugeriu.

Ela ressalta também que as provas materiais são de extrema importância nesses casos. “Tomar banho após o estupro não é recomendado. Pois o material genético é perdido e a perícia fica comprometida. Sabemos do quanto é difícil para a vítima aceitar seu corpo após a violência sexual, mas com a perícia fica mais fácil comprovar e identificar o autor. Contudo, esse não é o único meio de prova do crime. Existe um laudo psicológico que reforça o depoimento da vítima”, discorreu a autoridade policial.

Linda Gláucia Moraes relatou ainda que existe o Serviço de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual (SAVVIS), também utilizado como forma de evitar a gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis adquiridas em decorrência do sexo sem camisinha. Ela ressalta que a vítima pode tomar a medicação até 72h após o estupro.

“Para um apoio psicológico mais prolongado, encaminhamos as vítimas ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas)”. Além disso, segundo a delegada, caso a criança ou o adolescente precise mudar de escola, pelo fato do agressor morar perto do local, existe uma parceria firmada com a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e Secretaria Municipal de Educação (Semed) para que os trâmites legais ocorram.

A delegada titular da Depca faz um alerta aos pais ou responsáveis sobre o fato da maioria dos casos de abuso e violência sexual contra a criança e ao adolescente ser intrafamiliar. Isso significa que ocorre dentro de casa, pelos padrastos, pais, irmãos, tios ou até mesmo primos.

“É uma realidade muito triste, pois onde eles deveriam estar protegidos se sentem acuados. Muitas vezes, essa violência dura meses e até anos, pois o agressor incute na cabeça da vítima que a culpa é dela. Para que não haja a denúncia, eles ameaçam até matar a vítima ou algum parente próximo para evitar que sejam denunciados”, informou.

Como alerta, a delegada explica que a atenção dos pais dentro de casa com os filhos deles é essencial para diminuir os casos. Muitas vezes, pelo excesso de trabalho, os genitores acabam perdendo o contato frequente com as crianças, o que dá margem para que eles fiquem vulneráveis a crimes como esses. “Precisamos saber detectar os problemas que existem em nossas casas. Enxergar o filho pelo olhar e diagnosticar a mudança de comportamento é fundamental para proteger nossas crianças”, finalizou.

A Depca fica localizada no Conjunto Vista Bela, bairro Planalto, zona Centro-Oeste e oferece atendimento 24h. Para entrar em contato com os servidores da delegacia e denunciar, ligue para: 3656-8575 ou disque 100.

Humanização

Uma equipe do setor psicossocial que funciona no Instituto Médico Legal (IML), situado na Avenida Noel Nutels, bairro Cidade Nova, zona Norte de Manaus, realiza o trabalho de acolhimento, escuta e encaminhamento de menores de idade vítimas de abuso sexual. O trabalho já é realizado há três anos no local em parceria com o Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes do Amazonas (CEVSCA-AM).

De acordo com a assistente social do órgão, Sulamita Geber, a equipe faz o primeiro contato com as vítimas, que recebem orientação e apoio necessários para que outros procedimentos, feitos em parceria com órgãos especializados da Prefeitura de Manaus e do Governo do Estado, sejam feitos.

“No caso das crianças é bem mais complicado. Temos que ter todo um cuidado para que elas possam relatar o que aconteceu. Elas chegam fragilizadas e muitas vezes sentem vergonha de falar sobre o assunto. É neste momento que temos que usar toda a experiência adquirida ao longo dos anos para tentar amenizar os traumas. Prestamos todas as orientações e daqui do IML fazemos o encaminhamento para os exames necessários”, destaca.

As crianças e adolescentes são encaminhados ao Serviço de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (SAVVIS), que funciona na Maternidade Dr. Moura Tapajóz, no bairro Compensa, zona Oeste da cidade, onde são submetidos a exames para diagnosticar a contaminação de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs).

“O acompanhamento é feito por uma equipe multiprofissional, composta por médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social. Os pacientes têm atendimento prioritário e reservado, inclusive com leitos específicos em enfermaria para casos de internação”, acrescenta a assistente.

No setor psicossocial do IML o atendimento é feito no horário das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira. Além da assistente social Sulamita Geber, a equipe é composta pela psicóloga Janete Vieira e pela assistente social Amanda Souza.

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