– Eu não quero morrer – gritava desesperadamente Helena. – Eu ainda tenho tantas coisas para fazer, tantos sonhos para realizar.

– Doutora, quanto tempo mais eu preciso esperar pela ambulância? – perguntava Marcos à atendente do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192). – Eu posso levar ela para o hospital no meu carro?

– Os hospitais só estão recebendo pacientes que dão entrada pelo SAMU. Não adianta o senhor levar a sua esposa para o hospital que eles não vão lhe atender. É melhor aguardar. Só peço que o senhor tenha um pouco de calma. – Como a senhora pede calma numa hora dessas? Eu queria ver se fosse um parente seu. Mas, enfim, ficarei aguardando. A atendente respondeu calmamente, demostrando empatia com o sofrimento de Marcos: – O senhor deu sorte. Já estou encaminhando uma ambulância para o seu endereço. Desejo boa sorte para a sua esposa. – Obrigado!

Três hora depois a ambulância chega na casa de Marcos… No trajeto, as horas parecem não passar e à distância parece infinita. Quando, finalmente chegam no hospital João Lúcio, a esposa de Marcos, Helena, fica por mais três horas dentro da ambulância esperando uma vaga para ser internada. Quando consegue dar entrada no hospital, além dos corpos espalhados pelos corredores, o que se via e ouvia dos profissionais de saúde era: “Acabou o oxigênio”; “Acabou o oxigênio” – diziam em voz alta. Ao ouvir aquilo, Marcos desesperou-se!

Manaus, janeiro de 2021. O sol forte e a umidade do ar tornavam a hora sufocante. Qualquer esforço era um verdadeiro sacrifício. Mas era preciso fazê-lo. Helena acabara de dar entrada no hospital João Lúcio e os enfermeiros foram taxativos: – “Sem oxigênio ela não sobrevive por mais três horas”.

            Desrespeitando todas às leis de trânsito, Marcos saiu em disparada rumo à uma fábrica clandestina que estava vendendo oxigênio pelo triplo do preço, no Distrito Industrial II. Marcos dirigia em alta velocidade pela estrada da Colônia Antônio Aleixo e era acompanhado por uma cortina de poeira, que o vento quente fazia rodopiar e o punha em suspensão.

            A garganta seca e o suor, que brotava na pele coberta de pó, criavam uma sensação de desconforto que levava o seu corpo clamar por um pouco de água fresca. Mas era preciso continuar dirigindo em alta velocidade, correndo contra o tempo, precisava “salvar” o amor de sua vida.

Transpirando por todos os poros, contornou mais uma curva da estrada, consciente que teria ainda uma longa jornada pela frente, até atingir o seu objetivo. Numa curva fechada à direita, um vulto o tirou daquele estado de quase inércia:

– Olá amigo, por que não te acalma?

– Quem é você?

– Quem sou eu não importa. Sei que você não pode continuar dirigindo dessa maneira, se não quem vai morrer é você.

– O que você está querendo me dizer? Fala logo!

– Eu sei o que você está buscando. Mas infelizmente você não pode fazer nada. Você não pode mudar o rumo da história.

– Por que você está me dizendo tudo isso?

– Porque eu sou o teu Anjo da Guarda, e eu conheço o teu passado e o teu futuro, eu sei tudo sobre você!

Aquela revelação trouxe à tona uma desagradável lembrança: Marcos nunca acreditara nos santos, muito menos em anjos. Apesar de ser criado numa família católica, desde criança duvidava da existência de Deus. E num ato de desespero (ou seria fé?) passou a concordar com o filósofo Blaise Pascal:

“Se há um Deus, ele está infinitamente para lá da nossa compreensão, uma vez que, sendo indivisível e sem limites, não tem qualquer relação conosco. Somos, portanto, incapazes de saber o que ele é e se é. No entanto, é mais vantajoso acreditar em Deus do que ser ateu”.

Marcos só recuperou os sentidos quando avistou ao longe uma grande quantidade de pessoas que também estavam querendo comprar oxigênio, formando duas filas, uma para quem estava de carro e a outra para quem estava a pé.

Na fila dos carros, enquanto esperava sua vez, Marcos refletia sobre à ganância humana e quando alguém reclamava do alto preço cobrado pelo oxigênio, o empresário não cansava de repetir: ­– É a lei do mercado, da oferta e da procura. E sem nenhuma compaixão pela vida humana, gritava em alta voz: – Quem achar que o preço está muito alto, pode ir comprar em outro lugar!

            Enquanto a população parecia querer invadir a fábrica de oxigênio, no pensamento de Marcos ecoavam apenas as frases: “Eu não quero morrer”; “Sem oxigênio ela não sobrevive por mais três horas”; “Você não pode mudar o rumo da história”.

            De volta ao hospital com o balão de oxigênio, Marcos ouviu a pior notícia de sua vida, na portaria do hospital foi informado que a sua esposa havia falecido. Inicialmente, Marcos não deu crédito àquelas palavras que lhe feriam como punhal. Duvidou de todas as formas e, enlouquecido, entrou no hospital chamando por Madalena.

            Seus gritos chamaram atenção de um segurança, Miguel, o qual, surpreso e emocionado, confirmou-lhe a fatal história.

            – Eu te avisei que você não poderia mudar a história.

            – Eu não aceito que a minha esposa tenha morrido por falta de oxigênio.

            – A morte faz parte de todo ser vivo.

            – A morte natural sim, mas isso foi assassinato.

            – Agora você tem um motivo para acreditar em Deus.

            – Agora que eu não acredito mesmo. Como Deus permite uma injustiça dessa?

            Marcos nem conseguiu ouvir direito a resposta do Anjo porque a enfermeira que atendia sua esposa se aproximou e lhe perguntou:

            – Seu Marcos, cadê o oxigênio?

            – Todo Para que se a minha esposa já faleceu!

            – Quem foi que lhe disse isso?

            Não tardou para concluírem que a falecida era, na verdade, uma homônima de Helena e que teriam informado ao esposo errado.

Marcos encostou a cabeça nos ombros de Miguel e chorou… chorou como nunca chorara até aquele dia…

– Eu não te disse que você não poderia mudar o curso da história?

– Como Deus é bom!

– E agora você acredita em Deus?

– Sim, eu creio!

O amor que unia Marcos e Helena era mais do que compromissos com os filhos, responsabilidades, sentimentos, mas que desejo, sexo; era fé, atitude, respeito, companheirismo; era amor de verdade; amor que liberta.

E quando Helena recebeu alta, Marcos estava lá para recebê-la. Dava para ouvir as batidas no seu coração. O coração de Helena também batia forte. O sorriso surgiu genuíno nos lábios de Marcos quando viu Hena com a plaquinha EU VENCI À COVID-19 e sobre aplausos dos funcionários, médicos, técnicos e enfermeiros, eles se beijaram apaixonadamente, enquanto Miguel, emocionado, dizia:

– O amor também cura!

 

Luís Lemos é filósofo, professor universitário e escritor, autor do livro: “Jesus e Ajuricaba na Terra das Amazonas”.

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