Segunda-feira, dia 22, fui ao Teatro Amazonas. É sempre um refrigério visitar aquela casa, símbolo das farturas do tempo em que a borracha era a mola mestra da economia local. O teatro é um fausto só. Sua beleza é contagiante e (por que não dizer?) motivo de orgulho para quantos aqui nasceram ou vivem. Passou muito tempo relegado ao abandono até que num dos governos do dr. Amazonino Mendes e durante a gestão do dr. Robério Braga, na Secretaria de Cultura, cobrou fôlego e voltou ao estado do qual não deveria nunca ter saído. Agora, completando cento e vinte e cinco anos, parece estar mais jovem e belo, dominando o cenário do largo de São Sebastião, hoje devidamente preservado e conservado.

Mas, afinal de contas, que fui eu fazer no teatro em pleno início de semana? Não havia ópera, nem festival de jazz. Ora, meu escasso leitor, fui por um motivo muito superior a essas duas atrações. Deu-se o caso que Catarina Bianca, minha neta de cinco anos de idade, participava de uma apresentação de balé. Pronto. Razão mais forte do que essa para me tirar de casa não poderia haver. Lá estava a pequena, devidamente vestida como as melhores bailarinas, a volutear pelo palco como se gente grande fora. A mãe e a avó não sabiam se riam ou choravam, que filhos e netos têm essa capacidade paranormal de nos provocar reações insuspeitadas.

Não durou mais que cinco minutos a apresentação da parte do espetáculo em que Catarina participou. Mas, para mim, esse tempo teve a duração de séculos, tal o deslumbramento com que meus olhos se fixavam na criaturinha e, enlevados, se deixavam ir ao sabor da música, saboreando todos os detalhes. Mesmo êxtase que detectei na Heleninha, que, com a provecta idade de oito anos, não se cansava de elogiar o desempenho da irmã bailarina.

Os netos têm essa capacidade de nos fazer viver num mundo diferente. Dominam a cena e ditam suas leis que aos avós soam como mandamentos inquebrantáveis. A respeito, já assim escrevi: “Os netos são efetivamente ditadores e o fato de serem incruentos não lhes tira a doce tirania com que tratam os avós, deles usando, fruindo e abusando, se me permitem invocar o conceito do velho direito romano sobre a propriedade. Riem e choram, dormem e comem como qualquer ser humano, mas, até na primária satisfação de necessidades elementares (que em nada combinam com a assepsia), os avós, com um semblante de bem-aventurança, insistem em ver as coisas mais prodigiosas que já possam ter ocorrido neste planeta aquecido”.

Várias vezes já me perguntaram se ser avô é muito diferente de ser pai. Claro que é e muito. Os avós têm uma vantagem incomensurável sobre os pais: àqueles não lhes pesa sobre os ombros a terrível obrigação de cuidar diuturnamente de todos os intrincados e infindáveis detalhes de que se compõe o processo de educação de uma criança. Nada disso. Tendo cumprido tal dever em relação aos filhos, resta-lhes o lazer puro e simples, com o desfrute de tudo aquilo que a leveza da infância pode proporcionar. Não prego, por óbvio, a irresponsabilidade, assim como se um avô, só por o ser, tivesse a faculdade de transformar o neto num daqueles infantes insuportáveis e mal-educados, de que todos precisam fugir à simples menção de sua presença nas proximidades. Significo apenas que, atendidos os cuidados mínimos de segurança e higiene, aos avós todo o resto há de ser permitido, tal como usar e distribuir chocolate à vontade, tomar banho de chuva, andar de pedalinho e chamar a mãe ou o pai quando o neném faz sujeira.

Por tudo isso, a minha segunda-feira foi gloriosa. Catarina, a bailarina mais linda do mundo, me proporcionou esse oásis que me fez esquecer de doença e pandemia. Um verdadeiro milagre.

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