Votar nem sempre foi um direito/dever como o é nas democracias modernas. Tempo houve em que ser eleitor dependia do estado social e da fortuna de cada um, afastando-se, assim, a condição de universalidade hoje conferida àquele ato cívico. À época do império, no Brasil, os parlamentos eram escolhidos por um eleitorado exclusivamente masculino, uma vez que às mulheres não era reconhecido o direito de votar. Da mesma forma, os escravos, tidos como coisa, não podiam influir nas escolhas políticas de então.

Já se vê que há de ter sido uma renhida luta para o atingimento do patamar hoje exibido nas sociedades democráticas em que só através do voto, universal e secreto, se pode dar a escolha de dirigentes e parlamentares. Mesmo nessa fase, o processo passa por subestágios de gradativo aperfeiçoamento, buscando-se a excelência nos modos pelos quais seja possível captar a intenção do eleitorado.

No Brasil, já tivemos a época em que as cédulas eram individuais e impressas, colocadas em um envelope antes de serem depositadas na urna. O método, como não é difícil de inferir, prestava-se a toda sorte de artimanhas de candidatos e grupos, o que, em paralelo com o pouco esclarecimento do eleitor, podia levar a resultados falsos, transformando a eleição num arremedo de pleito.

Avançamos depois para a chamada cédula única em que o eleitor, no modelo previamente confeccionado pela justiça eleitoral, marcava seu candidato preferido ou lhe escrevia o nome ou o número. Foi um avanço, mas, ainda assim, não se afastaram as possibilidades de fraude na manifestação de vontade, bastando lembrar, nesse campo, as “réguas” de votação. Eram objetos que os candidatos entregavam ao eleitorado, permitindo a este decalcar as figuras contidas na régua, as quais, como é óbvio, significavam o voto no autor do fornecimento da geringonça.

Vieram as urnas eletrônicas e vieram tarde. Com efeito, se a tecnologia já permite, no futebol, marcar ou desmarcar pênaltis, não havia sentido que estivesse ausente de ato tão essencial para o funcionamento do sistema. Foi um salto de qualidade, na medida em que, reunindo rapidez e funcionalidade, o novo método facilita a vida de quem vota e de quem é responsável pela contagem dos votos.

Mas agora, sem nada de sério para fazer, Bolsonaro resolveu implicar com a urna eletrônica e quer porque quer o retorno do voto impresso. Vá-se lá saber o que se passa na cabeça do homem que tem a covid como uma gripezinha e que recomenda a não vacinação e a ingestão de cloroquina.

Na campanha para conseguir esse desiderato, tem ofendido ministros dos tribunais superiores e ameaçado mesmo o próprio funcionamento do sistema democrático, ao argumento de que a urna eletrônica não é auditável. Não é necessário ser técnico no assunto para ter presente que esse argumento é ridículo e sem qualquer sustentação científica.

Note-se que Bolsonaro sempre que fala do assunto, alega ter provas de que já houve eleições fraudadas no sistema de urna eletrônica. Interessante é que, até hoje, ele não exibiu nem mesmo um indício de prova de argumentação tão grave. Nem poderá fazê-lo, sendo certo que essa sua implicância nada mais é do que uma faceta de seu caráter autoritário e avesso ao diálogo.

Mas é preciso que as forças da democracia estejam atentas, pois qualquer descuido poderá ser fatal para a estabilidade do sistema. Basta ver que esse tal general Braga Neto, hoje na Defesa, já arreganhou suas fauces, apregoando abertamente um golpe caso os desejos do presidente não sejam cumpridos. Não é de estranhar esse arroubo de ignorância e estupidez. Afinal de contas, um governo que tem à frente um admirador da tortura como meio de obtenção de provas não pode, em nenhuma circunstância, transmitir uma mensagem sensata.

Mas o golpe não vão dar. Nem mesmo que a vaca tussa.

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