O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e os ministros mais importantes de seu governo estão vinculados a possíveis “crimes contra a humanidade”, afirmou nesta quarta-feira, 16 uma missão da ONU ao apresentar um relatório sobre a prática sistemática de tortura e execuções extrajudiciais no país.

“A missão encontrou motivos razoáveis para acreditar que as autoridades e as forças de segurança venezuelanas planejaram e executaram desde 2014 graves violações dos direitos humanos”, declarou a presidente da missão, Marta Valiñas, citada em comunicado. 

Segundo ela, “algumas violações – incluindo execuções arbitrárias e o uso sistemático de tortura – constituem crimes contra a humanidade”. “Longe de serem atos isolados, estes crimes foram coordenados e cometidos de acordo com as políticas do Estado, com o conhecimento ou o apoio direto dos comandantes e de altos funcionários do governo”, acrescentou Marta Valiñas.

A Venezuela vive desde 2015 uma grave crise política, que se aprofundou em 2019 quando o líder opositor e presidente do Parlamento, Juan Guaidó, se proclamou presidente encarregado do país, depois de declarar que Maduro usurpou o cargo com uma reeleição polêmica em 2018.

Em julho, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, criticou a situação na Venezuela ao apresentar um relatório no qual denunciava “detenções arbitrárias, violações às garantias ao devido processo legal e casos de tortura e desaparecimentos forçados”.

A Missão Internacional Independente de determinação dos fatos das Nações Unidas sobre a República Bolivariana da Venezuela investigou 223 casos, 48 deles examinados de maneira profunda em um relatório exaustivo de 443 páginas. Além disso, também estudou outros 2.891 casos para “corroborar os padrões de violações e crimes”, como execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e tortura.

A missão, no entanto, não foi autorizada a visitar a Venezuela porque “o governo não respondeu às solicitações reiteradas” e devido às restrições de viagens provocadas pela pandemia do novo coronavírus. De acordo com o relatório, 274 entrevistas foram realizadas à distância.

Práticas de tortura

O grupo reconhece “a natureza da crise e as tensões no país e a responsabilidade do Estado de manter a ordem pública”, mas constatou que “o governo, os agentes estatais e os grupos que trabalhavam com eles cometeram violações flagrantes dos direitos humanos de homens e mulheres na Venezuela”. 

A missão investigou “16 casos de operações policiais, militares ou conjuntas que resultaram em 53 execuções extrajudiciais”, além de “2.552 incidentes adicionais em que aconteceram 5.094 mortes pelas forças de segurança” entre 2015 e 2017.

Funcionários da Polícia Nacional Bolivariana (PNB) e suas Forças de Ações Especiais (Faes) afirmaram à missão que era uma “prática comum acobertar os assassinatos plantando armas para simular ‘confrontos'”.

“Estas execuções extrajudiciais não podem ser atribuídas à falta de disciplina das forças de segurança. Os assassinatos parecem integrar uma política de eliminação de membros não desejados da sociedade sob a cobertura da luta contra o crime”, disse Marta Valiñas.

No caso das torturas, a missão investigou a ação do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) e da Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM) e documentou detenções que na realidade eram “desaparecimentos forçados de curta duração”. Estas incluíam “torturas, tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, incluindo atos de violência sexual, par obter confissões ou como castigo”.

“Os organismos de inteligência também submeteram a dissidência – tanto homens como mulheres – à violência sexual, incluindo estupro com partes do corpo ou objetos e ameaças de estupro contra a pessoa detida ou parentes, nudez forçada, espancamentos e descargas elétricas nos órgãos genitais”, disse Francisco Cox, integrante da missão.

A missão pediu às autoridades venezuelanas “investigações rápidas, independentes e transparentes” sobre os estupros e os crimes.

Marta Valiñas afirmou que instâncias como o Tribunal Penal Internacional (CPI) “deveriam considerar a possibilidade de empreender ações legais” contra as autoridades identificadas pela missão.

Desde o fim de 2015, quase cinco milhões de pessoas deixaram a Venezuela devido à crise política e econômica, de acordo com números da ONU. (Estadão)

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