Folha de S.Paulo – O senhor Emilio sai de trás do balcão do bar e restaurante do qual é gerente, no bairro de Borro, um dos mais perigosos de Montevidéu, ao norte da capital uruguaia. Diz que vai levar a reportagem da Folha ao que costumava ser a casa de sua irmã. Ele para na esquina e diz: “Se quiser, vá daqui até lá sozinha. Eu não posso, estou marcado”.

A casa, numa rua sem asfalto, é um pequeno bloco de cimento com uma janela pequena, de cortina fechada, apesar do calor abafante da cidade nestes dias.

Restos de portas metálicas impedem a entrada. “Um dia chegaram os sujeitos de uma gangue e a expulsaram com a filha, elas agora moram comigo, mas estou pensando em mandá-las para o interior. Esses sujeitos são traficantes. Não chamo a polícia porque destruiriam o meu negócio”, diz ele, que prefere não dizer o sobrenome.

Muitos habitantes de Borro têm medo de falar —e alguns alertam para a presença de “espiões” de grupos de narcotráfico que atuam no local. Em outro comércio na mesma região, um quiosque, o dono diz pagar regularmente uma taxa a um dos bandos. “Porque já vieram aqui e quebraram tudo, não quero que aconteça de novo.”

Em outra parte de Montevidéu, Casavalle divide com Borro o título de bairro menos seguro da cidade. Uma moradora diz também ser vítima de extorsão. “Eles sabem que não temos dinheiro, mas ainda assim, tentam. Se não pagamos, cortam nossa luz.”

No lixão do bairro, que o garoto Pedro apresenta à Folha, costuma-se jogar cadáveres. “Tem noites de tiroteio, entre as gangues daqui mesmo. No dia seguinte, é quase certo encontrar um ou mais corpos aí”, diz, apontando com o dedo. Por medo, ele também pediu que a reportagem não publicasse seu sobrenome.

As cenas descritas acima não combinam em nada com o cartão-postal que muitos têm na cabeça quando pensam em Montevidéu.

Uma cidade tranquila, em que moradores e estrangeiros compartilham um calçadão em frente ao Rio da Prata; em que senhoras colocam cadeiras de praia para fora de casa no fim dos dias de calor para conversar entre vizinhas; e em que turistas curtem a noite local. A boemia, aliás, é uma novidade da última década, com os bares e restaurantes agitados dos bairros de Cordón e Rodó.

Mas a criminalidade que assusta os moradores de Borro e Casavalle não está aumentando apenas nos bairros mais humildes. Nas áreas de classe média e alta, também é grande a reclamação por conta de furtos, sequestros e invasão de domicílios.

Uma imagem que era comum há dez anos, a das casas com jardim sem cercas no bairro nobre de Carrasco, já praticamente não existe. As residências estão cercadas, há seguranças particulares nas esquinas (como nos bairros de classe alta paulistanos), e muita gente preferiu migrar para locais mais centrais ou viver em condomínios com segurança 24 horas.

Os números da violência e do crime no Uruguai são pequenos se comparados a países como Brasil, México, El Salvador e Honduras. A rapidez com que aumentam, porém, tem preocupado as autoridades. 

A taxa de homicídio neste ano atingiu os dois dígitos: 11,8 por 100 mil habitantes. E os delitos contra a propriedade (roubos, furtos, invasões) cresceu 1.200%, de 1990 a 2018, segundo dados oficiais.

Tanto que países como EUA, Suíça, Austrália, Portugal, França, Itália, Holanda, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Suécia e Canadá incluíram alertas a seus cidadãos que viajam ao Uruguai para que tenham cuidado.

A insegurança é citada por mais de uma pesquisa de intenção de voto para o segundo turno das eleições, no próximo domingo (24). Segundo o instituto Equipos, sete de cada dez uruguaios consideram o tema da segurança como o principal nesta eleição.

Um dos fatores de grande desgaste da gestão do atual presidente, Tabaré Vázquez (Frente Ampla), foi a aprovação do Código de Processo Penal, em 2017. Entre outras coisas, a legislação previa penas alternativas para delitos menores e redução de penas, para combater a superlotação das prisões.

Logo depois disso, os roubos e furtos cresceram 30%. O governo refuta o aumento tenha sido um efeito imediato do novo código. O ministro do Interior, Eduardo Bonomi, diz que a onda de criminalidade está ligada a enfrentamentos entre narcotraficantes. Segundo o governo, depois da regulamentação da maconha, grupos que viviam do tráfico da droga passaram a produtos mais pesados e ao contrabando —e isso fez crescer a violência.

De acordo com o ministério, 58% dos homicídios registrados em 2018 foram causados por ajustes de contas entre narcotraficantes —enquanto 12% correspondem a violência doméstica, 9% estão ligados a violência de gênero e o restante, a furtos e sequestros.

As soluções propostas pelos dois finalistas do segundo turno são distintas, embora pouco detalhadas. Luis Lacalle Pou, do partido Nacional, que tem o apoio do direitista Maníni Ríos, propõe o aumento de policiamento e a rediscussão do Código Penal.

Já Daniel Martínez, da Frente Ampla, prefere o discurso da prevenção e do uso da inteligência e das novas tecnologias no combate ao crime.

Artigo anteriorAntigo ‘farol do socialismo’, a Albânia agora é pop
Próximo artigoBLACK FRIDAY: Procon-AM segue com fiscalizações em lojas de Manaus